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01 MAI 2017
Abismo
Por Jornal Abarca

Sempre me disseram, enquanto era estudante, qual era o caminho correcto para vencer na vida: “Estuda que um dia chegas longe”, ouvia repetidamente. Umas vezes melhor e outras não tão bem, fiz tudo como mandavam as regras: saí do secundário com uma boa média, licenciei-me e sempre procurei encher o meu currículo.

Ironicamente costumo dizer que sim, que cheguei longe: em 2016 fui trabalhar para Moçambique. Cheguei até 10 mil quilómetros de distância da terra que me viu nascer. Não digo isto com qualquer tipo de rancor: viajei até Moçambique por minha iniciativa e foi, indubitavelmente, a melhor experiência da minha vida.

O problema veio depois: celebrei 28 anos um mês após aterrar em Portugal. 28 anos em que, após me licenciar – não de forma extraordinária mas honrosa –, de ter aprendido duas línguas (uma das quais por opção), de ter apostado numa pequena especialização ainda na faculdade numa outra área que não a comunicação – área em que me formava na altura -, de ter participado em palestras, workshop’s, de ter colaborado desde os meus 16 anos com jornais, de ter trabalhado em jornalismo e noutras áreas da comunicação, de ter procurado enriquecer o meu currículo saindo da minha zona de conforto, em que após todas essas batalhas que exigiram muito esforço da minha parte, o trabalho mais estável que tive tinha sido um estágio de um ano ao abrigo do Instituto de Educação e Formação Profissional, vulgo Centro de Emprego.

Não me quero vitimizar. Até porque o parágrafo anterior não é o meu retrato: é o retrato da minha geração num país em que é mais valioso ter a lista telefónica certa do que um bom currículo. É o retrato de milhares de jovens que chegam aos trinta anos sem conhecerem nada além de estágios, trabalhos temporários, recibos verdes e promessas como as que eu ouvia quando estudava: “Continua, esse é o caminho”.

Passei por um calvário, sobretudo psicológico, de seis meses de desemprego. Em janeiro fui chamado a uma entrevista em Lisboa. Na sala onde esperei pela pessoa que me ia entrevistar era exibido orgulhosamente um cartaz que anunciava a dita empresa como vencedora de um prémio que a consagrava como “melhor empresa de comunicação em 2016”. Uma empresa presente em dez países de 3 continentes diferentes e que gera milhões de euros de receitas anualmente. A proposta? Se eu tivesse a “sorte” de ser seleccionado receberia 300€ por mês num (mais um) estágio de seis meses. Em Lisboa, onde um quarto quase que suga esse “valioso” salário para um jovem de 28 anos que tenta preparar o futuro.

Apareceu Abarca num cruzar de interesses que, às vezes, o destino nos oferece. Eu prefiro assim: a realidade de quem sabe tratar as pessoas do que a ilusão de trabalhar para “a melhor empresa” de qualquer coisa em que apenas alimentamos duas coisas: o ciclo vicioso em que somos apenas peões e o abismo em que vamos caindo.

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