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01 JUL 2017
Sem igual no futebol português
Por Jornal Abarca

Este texto devia ser dedicado à França: onde estão a acontecer, do ponto de vista da interacção da cidadania com a política, coisas muito interessantes. Fica para a próxima. Preferimos trazer aqui a memória de uma abrantina também ela ligada, num momento crucial da sua vida, à França, onde brilhou a uma altura que poucos conseguirão alcançar.

O ano passado, no âmbito das comemorações do centenário de elevação de Abrantes a cidade, foram homenageadas 100 “distintos abrantinos”. Quem não estava entre os ilustres era a Anabela Mateus (“Chalana”, noutra abordagem). E, no entanto, poderíamos questionar-nos a propósito do seguinte: quantos dos abrantinos ilustres, homenageados em 2016, no âmbito das comemorações, teriam direito a ser notícia de primeira página no maior diário português (o Correio da Manhã) aquando do seu falecimento?

A notícia publicada pelo CM (e é apenas essa que interessa) era genericamente elogiosa para a Anabela. E, naquilo que interessa, tinha três notas muito interessantes. A primeira: a referência explicita à sua condição de “abrantina”. Escrevia o jornalista: “Nascida em Abrantes,…; a segunda: uma observação sobre a sua personalidade percursora: “onde foi expulsa de um colégio de freiras pela rebeldia,…”; e a terceira: um reconhecimento sobre um modo de estar que marcou uma época :”uma mulher, …, sem igual no futebol português.”

A Anabela Mateus era abrantina, para essa coisa dos critérios institucionais, que tendem a formatar quase tudo, não era ilustre; provavelmente e apenas, porque ninguém se lembrava da sua existência. Se alguém, no canto da sala onde se discutiam os 100 nomes ilustres tivesse dito: “E olhem lá e a Anabela Mateus?” E depois de alguém perguntar com ar surpreendido: “Quem? Anabela quê?...”, tivesse surgido a resposta improvável: “A questão é esta,… Nós ainda não o sabemos, mas o mais provável é que a notícia do seu falecimento possa ser objecto de uma notícia de primeira página no maior diário português, o Correio da Manhã. Logo, se isso acontecer, dificilmente poderemos deixar de classificar a pessoa como ilustre abrantino, ou não?”.

Alguém presente na sala poderia dizer: “Bom!... se a lógica é essa até pode ser que você tenha razão,… Mas, afinal o que é que fez a pessoa para merecer estar nesta lista?,…”.

A Anabela Mateus foi uma daquelas personagens que encheu a cidade por esses fins dos anos sessenta, inícios dos anos setenta. Não foi a única. Mas sem ela as coisas não teriam andado tão depressa. Ter sido indiferente à crítica jocosa e fácil, quando não machista e reaccionária, foi um dos seus grandes méritos. A Anabela terá aprendido em Abrantes uma lição para toda a vida: que não convinha calar a voz, que era ilógico ir atrás das maiorias, apenas porque estas se reivindicavam o direito de o ser.

Veja-se esta coisa extraordinária: a Anabela não jogava futebol; mas ter alguém que escreve, como obituário, num jornal de circulação nacional, esta coisa absolutamente extramundana (e verdadeira,...): “sem igual no futebol português” não é sinal de que algo de extraordinário foi feito em vida?

A Anabela, Mateus de solteira, Chalada (de segundas núpcias) abrantina de nascimento, merece sem dúvida integrar, ainda que a título póstumo, essa galeria dos abrantinos ilustres.

Eu, por mim, confesso que ainda hoje sinto saudades dela: dessa rapariga de ar moderno, cabelo desgrenhado e saia curtíssima, que nunca se importou se ser olhada de lado, com um único fim em vista: ser e viver sem espartilhos e em liberdade.

O que ela conseguiu; o que nós conseguimos.

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