No dia 25 de Julho sofri um despiste de automóvel. Capotei uma série de vezes mas saí sem grandes ferimentos. Aquela distracção tinha tudo para não ser nada; mas teve tudo para me reduzir a nada. Pode parecer trágico, mas o sentimento de impotência brutal e a sensação de ter escapado praticamente ileso a algo potencialmente fatal, talvez me leve a alguns hiperbolismos. Escapei à hipótese de circular algum carro em sentido oposto, e já com o carro em cambalhotas saí da estrada para uma fazenda passando entre duas árvores e amorteci o destino nas únicas silvas que existem nos longos metros daquela ribanceira, fazendo o carro parar com as rodas no chão. Não acredito em milagres, mas tive a sorte que por vezes não acompanha muitas vítimas de acidentes rodoviários. Mesmo assim, tinha destruído o carro. Uma tristeza e uma revolta imensa invadiram-me e não conseguia pensar noutra coisa.
Dois dias depois, através do Facebook, vi que o melhor amigo de um amigo meu tinha falecido. Mas permitam-me enquadrar-vos, com esta declaração de interesses: sou do Sporting e gestor de um grupo de debate sobre o clube no Facebook. Este amigo que vos falo, não o conheço pessoalmente. É esta a magia das novas tecnologias.
O Tiago é de Valongo, perto do Porto, e temos em comum o amor ao Sporting e o facto de gostarmos bastante de futebol e hóquei em patins (nesta modalidade ele é dos mais profundos entendedores a nível nacional). O Tiago tem 24 anos e sofre de uma doença degenerativa, Mucopolissacaridose Tipo IV, que o confinou a uma cadeira de rodas e o fez abandonar a escola há quase uma década, mas mesmo assim criou um blog sobre hóquei em patins. Partilha algumas vivências comigo como aspectos da doença e dos tratamentos, quando foi a Lisboa conhecer a equipa do Sporting, quando deu uma entrevista para uma revista, quando o tio brilha no ringue (Tó Silva é um dos grandes jogadores do nosso campeonato), entre outras coisas.
Tinha nos meus planos ir visitar o Tiago, de surpresa. Adicionei a mãe dele no Facebook, no dia antes do acidente, para preparar a visita para o conhecer pessoalmente. Quando falei com ela, apresentei-me porque “provavelmente não sabe quem eu sou”. Ela respondeu-me que sabia quem eu era porque “o Tiago fala muito em si, diz sempre ‘o meu amigo’”. Aquilo tocou-me de uma forma muito particular porque nem eu imaginava a diferença que posso fazer na vida dele.
E dou por mim a pensar como as nossas lamentações são coisas muito relativas: eu a sofrer por ter perdido um carro; o Tiago a sofrer porque, preso à sua doença, viu partir o seu melhor amigo que fazia tratamento ao seu lado há anos. Engoli em seco, e mandei uma mensagem de apoio ao Tiago. Ele respondeu-me, e adivinham como? “Obrigado amigo”.
Sabes Tiago, ainda bem que me consideras teu amigo, mesmo sem nos conhecermos pessoalmente. Tu, que lutas diariamente pelos sonhos que a vida te permite ter, que me fizeste ver que não tenho nada para me queixar, és mais que um amigo para mim. És o meu super-herói. E como uma criança inocente, continuo à espera de conhecer o meu super-herói.