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01 SET 2017
Um amigo e um super-herói
Por Jornal Abarca

No dia 25 de Julho sofri um despiste de automóvel. Capotei uma série de vezes mas saí sem grandes ferimentos. Aquela distracção tinha tudo para não ser nada; mas teve tudo para me reduzir a nada. Pode parecer trágico, mas o sentimento de impotência brutal e a sensação de ter escapado praticamente ileso a algo potencialmente fatal, talvez me leve a alguns hiperbolismos. Escapei à hipótese de circular algum carro em sentido oposto, e já com o carro em cambalhotas saí da estrada para uma fazenda passando entre duas árvores e amorteci o destino nas únicas silvas que existem nos longos metros daquela ribanceira, fazendo o carro parar com as rodas no chão. Não acredito em milagres, mas tive a sorte que por vezes não acompanha muitas vítimas de acidentes rodoviários. Mesmo assim, tinha destruído o carro. Uma tristeza e uma revolta imensa invadiram-me e não conseguia pensar noutra coisa.

Dois dias depois, através do Facebook, vi que o melhor amigo de um amigo meu tinha falecido. Mas permitam-me enquadrar-vos, com esta declaração de interesses: sou do Sporting e gestor de um grupo de debate sobre o clube no Facebook. Este amigo que vos falo, não o conheço pessoalmente. É esta a magia das novas tecnologias.

O Tiago é de Valongo, perto do Porto, e temos em comum o amor ao Sporting e o facto de gostarmos bastante de futebol e hóquei em patins (nesta modalidade ele é dos mais profundos entendedores a nível nacional). O Tiago tem 24 anos e sofre de uma doença degenerativa, Mucopolissacaridose Tipo IV, que o confinou a uma cadeira de rodas e o fez abandonar a escola há quase uma década, mas mesmo assim criou um blog sobre hóquei em patins. Partilha algumas vivências comigo como aspectos da doença e dos tratamentos, quando foi a Lisboa conhecer a equipa do Sporting, quando deu uma entrevista para uma revista, quando o tio brilha no ringue (Tó Silva é um dos grandes jogadores do nosso campeonato), entre outras coisas.

Tinha nos meus planos ir visitar o Tiago, de surpresa. Adicionei a mãe dele no Facebook, no dia antes do acidente, para preparar a visita para o conhecer pessoalmente. Quando falei com ela, apresentei-me porque “provavelmente não sabe quem eu sou”. Ela respondeu-me que sabia quem eu era porque “o Tiago fala muito em si, diz sempre ‘o meu amigo’”. Aquilo tocou-me de uma forma muito particular porque nem eu imaginava a diferença que posso fazer na vida dele.

E dou por mim a pensar como as nossas lamentações são coisas muito relativas: eu a sofrer por ter perdido um carro; o Tiago a sofrer porque, preso à sua doença, viu partir o seu melhor amigo que fazia tratamento ao seu lado há anos. Engoli em seco, e mandei uma mensagem de apoio ao Tiago. Ele respondeu-me, e adivinham como? “Obrigado amigo”.

Sabes Tiago, ainda bem que me consideras teu amigo, mesmo sem nos conhecermos pessoalmente. Tu, que lutas diariamente pelos sonhos que a vida te permite ter, que me fizeste ver que não tenho nada para me queixar, és mais que um amigo para mim. És o meu super-herói. E como uma criança inocente, continuo à espera de conhecer o meu super-herói. 

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