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01 NOV 2017
COGUMELOS
Por Jornal Abarca

Andam os pesquisadores arreliados, furibundos e da dita cuja brasileira bunda sem canseira, não de ouro, sim de cogumelos. A causa reside na teimosia de S. Pedro em nos fazer cair sobre as carecas e cabeleiras chuva, água bem caída, revigorante dos campos e das florestas. O Sr. São Pedro faz orelhas moucas às orações e pedidos como tem acontecido ao longo dos séculos. Mesmo quando a efígie de um Santo seu colaborador é apedrejada.

É verdade. Numa aldeia de Trás-os-Montes os camponeses cansados e angustiados pela fata água resolveram colocar a imagem de S. Bartolomeu no adro da Igreja à torreira do sol na esperança de o calor na moleirinha do Santo o fazer pedir ao chaveiro do Céu a remessa de chuva até os cães a beberem de pé. A seca persistiu.

Ante a desgraça de verem mirrar as frutas, os produtos hortícolas, as searas e demais culturas resolverem afogar o Santo num charco teimoso existente no leito do rio, tal qual se encontra a outrora grávida corda de água conhecida por Tejo.

Se bem o pensaram melhor o fizeram, ataram duas pedras à imagem e atiraram-na para o charco. A imagem, velha de muitos e muitos anos estava pontuada, cheia de furos de caruncho. Naturalmente, ao ser mergulhada na escassa água desprendeu bolhas de ar a furaram e produzirem ruído. Um dos comparsas não se conteve e enquanto a apedrejava dizia: ainda refunfunhegas, toma, toma, toma pedradas sobre pedradas.

Passado pouco tempo principiou a chover, segundo a memória do povo os fautores do ultraje morreram dali a pouco tempo de modo violento, levando alguns populares a lembrarem que “Deus castiga sem pau, nem pedra”. Lenda ou contarelo, a devoção ao Santo é de molde a os naturais e seus descendestes da dita aldeia serem conhecidos pelo extremo fervor e dedicação ao seu orago.

Os tempos são outros, felizmente, no entanto, lastimo interesseiramente o calvário da seca em geral, e no respeitante as pantorras, repolgas e os cantarelos, entre outas espécies de cogumelos. É que no dia 04 de Novembro conto estar em Bragança a apresentar um livro da minha autoria e a continuar a penúria de chuva não surgem tão apetecíveis pitéus.

Há anos no decurso de um Congresso dedicado a esquisitices gastronómicas afirmei ser o Homem animal voraz a ponto de deliciar o palato comendo fungos, glândulas mamárias e pedras. Ante o menear de cabeças e entreolhares, esclareci – estou a falar de cogumelos, queijos e sal –, aí as cabeças negativas descansaram.

Só em último recurso escolho cogumelos de estufa, sem surpresas para os leitores avisados prefiro os silvestres, além de mais saborosos, no meu entender prestam-se a formulações gastronómicas de melhor e maior amplitude. Os cogumelos nem sempre são bem acolhidos nos restaurantes de cunho tradicionalista ou cuja cozinha está encerrada no seu labirinto imune à evolução no tocante a produtos. Os cogumelos ganharam má fama porque olhos e mãos inábeis escolheram espécies venenosas provocando mortes horríveis.

Todos conhecemos episódios doridos e os modos de escolher os sãos, a micologia é uma ciência, os cientistas ensinam a identificar os maléficos, ao nível da cultura popular as mezinhas nesse sentido são muitas, o teste da colher de prata é uma delas. Conta-se que os senhores de posses mandavam cozinhar cogumelos colhidos nos bosques e após serem confeccionados davam-nos a provar aos criados, se fossem maus os criados salvavam a vida dos patrões, só que estes detinham competências inteligentes e transferiam o exame para os cães.

A desconfiança persiste, ainda há dias cumpri a incumbência de preparar uma ementa destinada a comemorar amizades, uma das entradas proposta era a de cogumelos recheados. A senhora dona do restaurante lisboeta rejeitou velozmente a proposta invocando razões espúrias. Saí a penates, aquela casa de comeres tem numerosa clientela e a dona pode dar-se ao luxo de não querer servir o grupo composto por trinta pessoas.

Regressando ao princípio da crónica, as reservas de água acabaram na maioria dos terrenos onde vicejam os cogumelos, este ano os «predadores» espanhóis podem tirar do sentido as substanciosas pantorras a sós ou a elevarem a sapidez de ensopados, estufados, guisados, grelhados ao de leve, a acompanharem caça de pêlo e pena, enfim, pratos capazes de permanecerem na nossa memória até fenecermos. Como dizia o outro – com o mal dos outros posso eu bem –, eu não quero acreditar que nos dias 3 e 4 de Novembro não vou satisfazer a gula dada a egoísta teimosia do Apóstolo surdo ao canto do galo. Agora, bem podia ouvir este apelo.

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