A queda de Robert Mugabe no Zimbabué poderá simultaneamente ser vista como uma lição viva da forma como regimes nepotistas se auto-regulam. Num regime como aquele que governa o país há quase 40 anos, golpes de Estado são sempre manobras políticas possíveis a qualquer momento.
No Zimbabué, apesar da crise económica e da perda de popularidade do regime, ainda não se tinha encontrado a justificação ideal. As forças armadas poderão ter dado o primeiro passo na destituição de Mugabe, mas rapidamente argumentaram que não se tratou de um golpe de Estado armado e sim da detenção de Mugabe no seu domicílio.
O partido de Mugabe apressou-se a apresentar no parlamento uma proposta de destituição do presidente Mugabe, na tentativa de criar uma imagem de transição pacífica e legal do poder. O partido de Mugabe argumenta que o presidente, já com 93 anos, não se encontra fisicamente apto para governar o país e porque não respeitou a constituição pela não realização das eleições regionais. Mas, na prática, esta é apenas a justificação política para quem a quiser comprar.
No Zimbabué, como em muitos países ainda sob o controlo de elites que nada mais pretendem do Estado que poder e riqueza, o verdadeiro governo divide-se entre o partido de Mugabe e as elites militares. Mexer neste arranjo político e defraudar as constantes ambições de generais e políticos, é abrir portas ao desastre. Estas mesmas elites depuseram Mugabe, com receios de que ele cedesse a presidência à sua esposa, conhecida por não ter qualquer simpatia entre as elites políticas e militares. Estes receios acentuaram-se recentemente quando Mugabe demitiu o vice-presidente Emmerson Mnangagwa, tido como o a pessoa mais rica no país e, para boa parte das elites, o desejado sucessor de Mugabe. Aparentemente, Mugabe julgava controlar o poder de forma tão absoluta que lhe permitiria escolher o sucessor que bem entendesse e não aquele mais desejado pelas elites que o mantiveram no poder até hoje. Ainda assim, para quem julga que o Zimbabué poderá agora respirar um novo ar, não precisam alimentar expectativas. No poder, apenas mudou a cara, mas as elites mantêm-se.