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01 NOV 2017
Portugal Medieval
Por Jornal Abarca

Uma questão que sempre me intrigou são as viagens no tempo. Quando era criança adorava os filmes do ‘Regresso ao Futuro’ em que o jovem irreverente Marty McFly, acompanhado pelo louco doutor Emmett Brown, viaja no tempo indo ao passado e ao futuro (na altura o futuro era… 2015!) no mítico DeLorean. Equacionando a questão de forma racional, a fantasia nunca para mim fez sentido em termos reais.

Até este mês. Afinal, começo a acreditar que as viagens no tempo são possíveis e temos entre nós um viajante que partiu algures do século XIII para nos visitar. Passo, resumidamente, a explicar: em 2014 uma mulher cometeu adultério e sofreu a dobrar por isso. Não só o amante começou a fazer chantagem como o marido a agrediu com uma moca de pregos.

O juiz desembargador do Tribunal do Porto Neto de Moura, e é bom que não se esconda o nome, decidiu este mês reduzir as penas suspensas aplicadas aos dois sujeitos. No acórdão podem ler-se maravilhas como “o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem e [a sociedade] vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado” havendo comunidades “em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte”. Por aqui podemos concluir que este senhor vive na Arábia Saudita ou viajou desde o século XIII até nós. Eu estou mais inclinado para a segunda hipótese, senão vejamos outra passagem do acórdão: “na Bíblia podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”. Ou seja, rege-se pelo livro católico, estando excluída a hipótese de viver num país como a Arábia Saudita. Mas como não bastava usar a Bíblia para proferir um acórdão judicial, Neto de Moura confirma a minha teoria de que viajou no tempo usando como argumento o Código Penal de… 1886, que “punia com uma pena pouco mais do que simbólica o homem que, achando sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”.

Resumindo, este senhor concorda que se batam com pregos e chantageiem mulheres que cometeram adultério porque: trair um homem é pior do que trair uma mulher; um homem traído é uma questão de honra; bater numa mulher que trai é normal; no século XIX matar uma mulher que traísse era coisa pouca; e a Bíblia diz que a mulher que trai deve ser morta.

Na verdade, tenho dúvidas de que este acórdão não esteja traduzido de português arcaico para o novo acordo ortográfico, pois estou fortemente convencido de que este senhor vem do século XIII. Pode também dar-se o caso de o juiz estar em solidariedade com outros dois viajantes do tempo porque chantagear e bater com pregos são práticas, também, medievais.

O pior é que a minha teoria, a minha ironia e a minha revolta não apagam o mais triste: isto passou-se em Portugal, em 2017. 

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