Nunca soube porque comemorávamos o Natal. Mas desde sempre me lembro de uma confusão de celebrações que incluíam sapato na chaminé, onde um menino desconhecido depositaria brinquedos ou chocolates e um pinheiro que enfeitavam com bolas de vidro colorido e fios brilhantes, e uns suportes para as velas, em lata e com uma engenhosa mola com que se prendiam nos ramos da árvore. Acendiam as velas sempre com receio daquela coisa se incendiar…
Mais tarde o menino passou a velho e barbudo e viajava de trenó puxado por renas.
Nunca vi o menino ou o barbudo… Nunca ouvi os guizos do trenó. Nunca percebi muito bem o que se comemorava e porque as mulheres da família dedicavam horas infindas a cozinhar doces e tínhamos de comer bacalhau às onze da noite.
Muito depois de ter surpreendido o tio Constantino atrapalhado com uma caixa que ocultava um boneco e não dava jeito nenhum para pendurar no pinheiro, dificuldade que os adultos resolveram deixando o boneco no meu sapato, muito depois é que a tia Pepa obteve autorização par armar um presépio. Aí, comecei a perceber que se tratava do aniversário daquele bebé esbracejando numa manjedoura, guardado à vista por dois adultos em trajes esquisitos, uma vaca barrosã e um burro idiota, acompanhados por três ou quatro pastores ajoelhados e umas ovelhas lãzudas que pastavam em silêncio o musgo que o Carlota apanhara. Por cima da cabana uma estrela de cartão e lantejoulas, o espírito santo disse a tia, parecia querer iluminar aquela pobreza.
Nessa época não encontrei grandes presentes no sapato. Um boneco, uns bombons dentro de pratas faiscantes…
O mistério mantém-se… Talvez eu comemore o nascimento do Sol como acreditavam os Romanos, que também não se entenderam muito bem com o que celebravam.
Mas a alegria dessas noites ficou para sempre dentro de mim.
Ou eu que fiquei no moinho.
Para sempre.
“Último Poema”