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01 FEV 2018
O último beijo que te dei
Por Jornal Abarca

Um amigo é, no fundo, algo que construímos para nos confortarmos. No início um amigo era o colega de carteira na escola; depois eram os que ficavam para lá do tempo de aulas a jogar à bola; nos devaneios da idade achei que um amigo era aquele que explorava connosco os mistérios que a noite oferecia.

E, depois, aprendi que um amigo é tão somente o lugar onde nos sentimos bem.  O conforto pode ser um abraço, pode ser um beijo, pode ser um sorriso ou um olhar. Deve ser tudo isso.

Encontrar isso não é fácil, porque nem sempre é puro e genuíno. Aprendi, por razões que nunca imaginei, que podemos receber esse conforto onde menos imaginamos. Quando era criança ouvia muito uma música, julgo que era do genérico do programa “Arca de Noé”, da autoria de Carlos Alberto Moniz, que nos desafiava a “fazer amigos entre os animais”. Enquanto criança era uma canção, em adulto tornou-se quase um modo de vida.

Houve momentos, muitos, de desamparo em que não tinha os amigos da escola, dos chutos na bola ou dos copos na noite e foi aí que percebi o quão residual é o valor de coisas nas quais, outrora, centrei o meu quotidiano. Não me reduz nada admitir que cresci, muito, em momentos de refúgio e dor.

Um animal é, de facto, esse amigo. Esse conforto de alma. Foi essa a herança que a minha avó materna me deixou quando partiu subitamente e o gato dela veio morar comigo. Mais tarde, nos tais momentos de desamparo, era o Pinguim que me escutava, que esperava por mim atrás da porta quando eu chegava, que miava para eu me deitar com ele. Parece sobrevalorizado mas a riqueza de ter ali sempre um amigo que só nos queria dar afecto não tem preço.

Há quase cinco anos, numa fase muito mais positiva, conheci outra amiga assim, a Jóia, uma cadela que mudava o meu estado de espírito num olhar, alegrava o meu dia num passeio e enriquecia a vida de todos os que a rodeavam. A Jóia partiu no início do ano e o mais duro de tudo foi saber que ela ia partir.

Nunca pensei, em tantas vezes que a visitei, que a última vez fosse tão dura. Que a dor de dizer adeus fosse quase tão grande como o amor que sinto por ela. Naquela noite fria, em lágrimas, naquele virar de costas, soube outra vez como era perder um amigo, um lugar de conforto onde somos felizes.

Mahatma Gandhi disse que “a grandeza de um país e o seu progresso podem ser medidos pela maneira como trata os seus animais”, e eu penso que a forma como tratamos os animais rege aquilo que somos na vida.

À Jóia dei o melhor de mim. Mas há algo que gostava de nunca ter dado: um último beijo.

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