Home »
01 MAR 2018
EM DEFESA DA TIGELADA
Por Jornal Abarca

Tigeladas com textura e o sabor da tigelada? Eis uma coisa cada vez mais difícil de encontrar em Abrantes e sua envolvente geográfica. Uma situação patética, se olhada na perspectiva de que mais um valor se está inexoravelmente a perder, sem que muito se faça para o evitar.

Tigeladas sem textura e sabor a tigelada, são sintoma de quê?

·        De que o tradicional está a perder espaço? Parece que não, por que, em Abrantes surgiram, nos últimos anos, diversos espaços comerciais que fundam a sua alma exactamente em modelos antigos de apresentação de produtos.

·        De que deixou de ser rentável (ou impossível) produzir tigeladas com receitas antigas?

·        De que a promoção de um doce secular (e simples) não se está a fazer numa época em que tudo é comunicação?

·        De que não é possível, devido a leis e regulamentos em matéria de higiene e segurança? -que mataram muitas pequenas unidades que fabricavam tigeladas de forma muito, muito artesanal? Veja-se o caso do Café Águia no Tramagal, para exemplo.

E se um dia, as boas tigeladas desaparecem de vez? Substituídas por uma qualquer “malha” com pinceladas acastanhadas? Já terá estado mais longe, pelo caminho que a coisa leva.

A tigelada, como a generalidade dos doces tradicionais, tem nos estilos de vida modernos, que destacam a ideia das dietas saudáveis, através, entre outros, da redução do consumo de açúcar, uma ameaça á sua sobrevivência (veja-se a este propósito a última edição de A Barca onde o Chefda Pastelaria Tágide discorre sobre este tema, numa excelente reportagem sobre a Palha de Abrantes (outro doce em declínio acentuado!). Mas, por enquanto, a quase impossibilidade de encontrar boas tigeladas não tem nada a ver com isso? Tem, então, a ver com o quê?

A tigelada é toda uma cultura. Que só se valoriza quando se vive fora de Abrantes. Embora na cultura abrantina a tigelada esteja subalternizada em relação à “palha” já houve tempos em que a tigelada, até pela maior simplicidade no fabrico (e na diferença de preço!) tinha mais impacto no interior da cidade, do que a palha (um doce mais virado para o exterior, para lembrança e não tanto para o dia-a-dia, como é o caso da tigelada).

Encontrar boas tigeladas, um pouco por todo o lado na região de Abrantes era fácil há alguns anos atrás: no Tramagal, na Praia do Ribatejo, em Constância e claro, em Rio de Moinhos: pequenos fabricos caseiros, com encomendas asseguradas ao fim de semana. Tudo isso desapareceu.

Em Rio de Moinhos, onde se podiam encontrar, ao longo dos anos, as melhores tigeladas da região (a tal ponto que havia quem insistisse que as tigeladas eram da aldeia e não da cidade –um absurdo!) hoje é uma lástima. Entra-se num café, onde antes se serviam boas tigeladas e nem dá para descrever o estado da coisa.

Nos tempos que correm é muito difícil encontrar tigeladas bem-feitas, a saber a tigeladas e sem sabores estranhos e difíceis de identificar (para lá do tamanho, que é outro absurdo, por diminuto: um dia destes pedimos uma tigelada e dão-no uma bolacha maria).

Até a Teresa, a minha mulher, que se habituou a gostar de tigeladas comigo, acha que o doce anda hoje por caminhos estranhos.

E isso leva-nos a colocar a questão central em toda esta problemática: será que as pessoas em Abrantes, onde conviria que o doce fosse respeitado e salvaguardada a sua identidade, como um dos doces mais atractivos de Portugal, não se apercebem deste processo degenerativo de uma das suas riquezas culturais mais significativas?

Para mim, que cresci com as tigeladas e ainda hoje, apesar das atribulações que a atingem, continua ser o meu doce preferido esta indiferença é muito estranha e incompreensível.

Será este o tempo de acções para salvaguarda da tigelada? Não duvidem os abrantinos: o doce necessita mesmo de ser defendido.

(0) Comentários
Escrever um Comentário
Nome (*)

Email (*) (não será divulgado)

Website

Comentário

Verificação
Autorizo que este comentário seja publicado



Comentários

PUB
crónicas remando
PUB
CONSULTAS ONLINE
Interessa-se pela política local?
Sim
Não
© 2011 Jornal Abarca , todos os direitos reservados | Mapa do site | Quem Somos | Estatuto Editorial | Editora | Ficha Técnica | Desenvolvimento e Design