Home »
01 ABR 2018
Seattle - Azia Algo Indigesta sob o Zodíaco do Carapau de Gato
Por Jornal Abarca

Seattle, Washington, Março/Abril de 2013

9h10, bela manhã num céu azul digno de Lisboa ou Buenos Aires, raios académicos recaiam sobre quem me obriga a albardar de novo o cerebelo por 120 minutos a desfiar bolas de naftalina de Corporate Financee Banking Law!Sei que o decoro é monge anacoreta mas apetecia-me gritar sloboda,freedom, özgürlük, freiheit, liberdade, mandar a aula às urtigas e ouvir em céu aberto a “Júpiter” de Mozart, a “Pastoral” de Beethoven, a 4ª. de Mahler, pano de fundo para a nudez esplenderosa da primavera, na modelagem do “Nascimento de Vénus” de Boticceli. Valha-me Francisco (o de Assis), que, mal ou bem traduzido, resgata o meu mudo grito -  “Quando o homem sorri, por obra e graça da mãe Natureza / até a nossa alma se enche, como vela sempre acesa”(Cântico ao Sol). Se acreditam em santos, ponham este na lista de espera, sonhador tão simples como quase perfeito.

Mas…!?!, esperem aí, mal entro no átrio da Universidade, arrebenta-me um tsunami,mesmo ao lado. Um aluno alto, ossudo, óculos à Trotsky, melenas desgrenhadas, Tshirt com mensagem desbotada (Make Love to Your Landlady – the Rental Will be Free, Breakfast Included Faz Amor com a Tua Senhoria – o Aluguel Passa a Ser Grátis, Pequeno-Almoço Incluído),furioso, olhos em brasa enraivecida, vira-se contra uma professora, a Jennifer Sullivan (conheço-a, casa dos 60, já avó, tão respeitada como frágil, ensina Sociologia Aplicada), espeta-lhe no nariz a folha do que parece ser um exame com nota negativa; sacode-a pelos ombros, feita vime seco, e ainda consegue procurar em frenesim, qualquer coisa da sacola nas costas:

- F….you damned witch! Eat it and tons of shit, damned stupid old cow!, you´re going to rot in hell!!!(- Vai-te f…. maldita bruxa! engole isto e toneladas de m…..,  maldita estúpida vaca velha, vais apodrecer no Inferno!!!).

Centelhas pelo ar, ferrete geral de espanto,  wow!, wow!, what the hack!?, Hey, hey!,  for heaven's sake!,instinto latente de surpresa e receio, oh Jesus!, whoa, whoa! E, de imediato, o stampede,a debandada, o atropelo da multidão, alunos, funcionários (e alguns professores…), à procura de céu aberto, run, run, for your life!, outros a enfiarem-se nas salas, casas de banho e corredores, oh, boy!, he´s crazy!, holy shit!. Não admira, quem não se lembra, por muito menos houve quem sacasse de metralhadora, despejou tranquilamente carregadores a belo prazer, chacinar quantos mais melhor e depois açordar os miolos, voilá le grand finale? Mas que estou para aqui a pensar?, esquece, esquece!, nada de pagar tributos ao desespero, preciso é de sangue em àguas frias, tenho que arregaçar as mangas da deusa Frieza, ainda bem que existe a tal fração de micro-segundo a demorar a adrenalina, todo o tempo conta, porque agora chega a vez da Jennifer perder controlo e gritar muito aflita – Oh My God, help me, help me, he´s going to kill me!,ó meu Deus, ajudem-me, ajudem-me, vai-me matar!.

Mal ou bem, foi aí que entrei em cena. Mas antes, uma explicação.

 

FICOU AQUI

O que me vale neste tipo de “reality show” que a vida me obriga a engolir, é idealizar, com o miligrama de ingenuidade que me sobra da creche, ter nascido no signo do TTM = Trachurus Trachurus Minoris(vulgo, Carapau de Gato), o popular teleósteo perciforne, da família dos carangídeos.Sorry, vamos deIctiologia barata, não vou colar sainetes em cultura de Borda d´Água, apenas gosto de peixes, pronto. São os nossos primeiros tetravôs antes da peregrina ideia de largar as ondas e vá de trepar pelo cascalhudo das troncarias pré-jurássicas, que outro bicho lhes mordeu? E, além do mais, a classe de peixes está a ser tão dizimada que já se veem as portadas da apocalipse, extinção já é pouco. Mas porquê carapau de gato? Simples - aprendi com pescadores de boa escola (Matosinhos, Póvoa, Buarcos) que o TTM, tão minúsculo e insignificante, é finérrimo que nem um alho, parece conhecer logo às primeiras, tudo que cheira a anzóis, linhas e iscos, para não falar em redes. Mal lhes adivinha a sombra, mergulha que nem uma seta para a ramaria de corais e algas, a deixar passar o inter-cidades. Apesar do tamanho minorca,  qualquer TTM de boas espinhas é todo decidido. Sabe-se que a maioria dos peixes de pequeno porte, vive em cardume, auto-defesa básica, o TTM não é excepção. Mas não será deslocado pensar que lhe estão imbutidas nas ovas de embrião, as fímbrias de ADN de memória Pavloniana de pelo menos duas clássicas alternativas de união comunitário-popular, ao estilo do 25 do 4. Quando o cardume é só de TTMs, soltam-se as 16 santas cadências (CA-RA-PAUS-DE-GA-TO-U-NI-DOS-JA-MAIS-SE-RÃO-VEN-CI-DOS!!!);e quando o TTM se refugia em cardume diverso, voa a inevitável solidariedade proletário-peixária (o homérico CA-RA-PAU-DE-GA-TO-A-MI-GO-ES-TE-CAR-DU-ME-ES-TÁ-CON-TI-GO!).O TTM não os ouvirá mas sente, vê-se-lhe o arrepio dorsal emocionado, mas o mellhor está para vir, esta é de uno chuparse los deditos muy puncheros- quando um predador ameaça à distância um TTM e este não está protegido por cardume, perdido por 1, perdido por 1001, é o TTM que “ataca”! Barbatana a toda a mecha, direto à bocarra do Gargamel e o efeito-surpresa é, por vezes, estaminal, o predador fica tão perplexo, a cena foge-lhe tanto das regras do jogo habituais, que é ele mesmo quem desaparece. Grande carapau de gato!, Admiro tanto este trachurusinho minoris que apostei (e aposto) haver no zodíaco uma constelação gatocarapauística que se me aplica.

………………………

Voltando -  antes que houvesse danos colaterais, pego num braço do aluno que continua aos abanões na Jennifer, digo-lhe para parar (Stop! Stop, I say!)a que me responde, trocista (C´mon old goat, try me! , Vem daí, ó bode velho, tenta!). Ah ele é isso?, alma d´Aljubarrota!, num relâmpago (sei lá como fiz isso...), torço-lhe um antebraço para a esquerda e costas com toda a força que me resta na vida. Não estava à espera, dá um berro, curva-se arqueado para trás com a dor, larga a Jennifer mas solta-se de mim com violência e enfrenta-me. Já o disse, sei lá como foi, calculei a distância e antes dele se recompor, prego-lhe um rasteira-de-vassoura que aprendi na tropa. Estatela-se tipo ovo estrelado, saltam-lhe os óculos, prega-se no chão a olhar-me pitosga de raiva bufada. Vão dizer que fui bruto? Sei tanto de artes marciais como de orgasmos lacrimais de lacraus em Arrentela dos Vinhais de Cima, mas que queriam? Era o que podia fazer - o que tem que ser, tem muita força.

Tiro a Jennifer dali, acorrem dois seguranças, arrastam o aluno para fora, de nada lhe servem os murros e pontapés no ar, espuma-se aos berros onde continua a abundar a letra “F” contra todos e mais alguns, incluindo mães, irmãs, tias, avós e primas vivas ou já a tijolar. A Jennifer treme dos pés à cabeça, apanho-lhe a pasta e a bolsa (serviço completo, noblesse oblige), sento-a num sofá da sala dos professores, sossego-a, dão-lhe um chá, agradece comovida, brinco com ela, (Jennifer that was nothing, but ok, next week you´ll pay me a coffee. Without sugar, OK?),sorri, está muito combalida como é natural, pergunto se não podem chamar o marido para levá-la para casa? Enfim, saio da sala e mal abro a porta, Are´you ok, teacher?, How did you do that, teacher?, Wow!, are you really ok!?,um espelho de caras aliviadas mas ainda tensas, meio aflitas. Sintoma de que ninguém esquece o 11 de Setembro, continua no substrato de muitos (e podem incluir-me, estava em DC nesse dia). Vou para a aula, os alunos, pedem-me desculpa como se sentissem culpados, C´mon, C´mon guys, it´s over, it was nothing, really, cheer up! How about a coffe in Starbucks after class?

Conclusões –1. Claro quea Jennifer, dedicação em pessoa, tentou tudo com este aluno foi bem além do que devia. O Conselho Escolar (sim, fui testemunha, cumprimentado e “massacrado” mas holofotes não fazem o meu género), concluiu ser outro caso de boa matéria-prima mas consumida e gasta pela droga.

2. De família pobre, recebia subsídio da universidade, esmifrado nas 3 “INAS” - pomedoxina, mexatina, cocaína. E como com aquela má nota “voava” de vez o subsídio (e as drogas), perdeu a cabeça. Na sacola tinha 11 pacotes de droga e 2 facas de ponta e mola, punha os intestinos de fora fácil, fácil. Foi expulso.

4. Mas a “santa” Jennifer veio em auxílio, pediu ao Conselho que oferecesse um tipo de “resgate e perdão” - alistar-se já nos Marines por 3 anos e de onde poderia sair com folha limpa.E assim foi, welcome to Iraq, how exciting.

5. Olho para trás, revejo o que ela passou, como foi de repente enxovalhada, sacudida de um mundo rotineiro para vendaval pleno. É a tal coisa - as  palavras quando são ditas, não nos chegam só aos ouvidos, são também mastigadas. Mal ou bem, o Raciocínio é que as engole; ou melhor, tenta engolir. Quando violentado, recusa o que lhe chega, engasga-se, tosse como se as pudesse devolver ao remetente. Mas em geral, é tarde, só sobra azia. Quando não mesmo, uma senhora indigestão por anos.

6. Mas de que, graças ao Zodíaco, os meus ricos carapaus de gato me safaram. Thank you for your attention and have a nice day.

PS - Quando é uma senhora, a minha Mãe ensinou-me que se tem a delicadeza de não perguntar a idade. Quando é uma publicação, embora saiba os algarismos, não tenho aqui o manual de etiqueta editorial. uma vergonha. So, flipping a coin, ou seja, moeda ao ar - para abarca que faça mais e muitos por bons e serenos anos. E para quem lhe aponta o leme mês a mês, parabéns 2 - Para si e pela boa equipa que escolheu para marujar por estas páginas, parabéns para todos também. (exceto claro quem esta escreve, apenas um sardónico exemplo de exceção que confirma a regra dos demais).

(0) Comentários
Escrever um Comentário
Nome (*)

Email (*) (não será divulgado)

Website

Comentário

Verificação
Autorizo que este comentário seja publicado



Comentários

PUB
crónicas remando
PUB
CONSULTAS ONLINE
Interessa-se pela política local?
Sim
Não
© 2011 Jornal Abarca , todos os direitos reservados | Mapa do site | Quem Somos | Estatuto Editorial | Editora | Ficha Técnica | Desenvolvimento e Design