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01 MAI 2018
Aos Velhos Que Me Deram a Liberdade
Por Jornal Abarca

Um dia alguém que me é muito querido disse-me: “Aprendi tanto com os velhos da minha aldeia como nos bancos da faculdade”. Aquilo tocou-me de alguma forma e guardei aquela frase para a vida. Talvez porque, também eu, sou mais o velho da minha aldeia do que o banco da faculdade: sou mais a raiz do que a imagem; procuro mais o genuíno do que a forma modelada; sou mais ditado popular do que novo estrangeirismo como meio de identificação.

Nesta edição do abarca apresentamos uma conversa, mais curta do que eu gostaria, com o João Espanhol. Mais curta porque seria sempre curta. Falar da liberdade com quem a fez enche-me a alma de um prazer impossível de transcrever.

O João Espanhol tem 88 anos. Tem o rosto cansado, marcado pelas lutas de uma vida. Mas quando fala dessas lutas renasce e fica com um brilho nos olhos que nos garante que nascia outra vez para lutar tudo de novo, ainda com mais força.

A minha terra, o meu país, tem cada menos homens com esta fibra. Homens que tinham tudo a perder mas cuja verdadeira derrota era nada fazer. Não vivi a ditadura, mas sinto Abril com homens destes.

Dos que estão e dos que já foram. Os célebres, também. Sinto Abril em cada rugir do enorme José Carlos Ary dos Santos, em cada cantar do Zeca, na memória de Humberto Delgado e no olhar do Salgueiro Maia. Se Abril valeu a pena? Obviamente que sim.

Mas Portugal tornou-se um manicómio. Há dias perdi-me a ler a história da “Celeste dos cravos”, a senhora que ofereceu cravos aos soldados no dia 25 de Abril. Tem hoje 85 anos e (sobre)vive com uma pensão de 370 euros. A Celeste, como naquela manhã de liberdade, continua a ser um símbolo. Hoje representa apenas a perversidade do “estado a que chegámos”.

Sinto vergonha alheia quando olho os nossos velhos esquecidos. Quando olho o João Espanhol que lutou tanto pela nossa liberdade gostava de lhe dizer que as coisas estão melhores do que se diz por aí. Tenho vergonha de não fazer por eles o que eles fizeram por todos nós.

Muitos morreram presos, desterrados ou numa guerra que não era a deles, outros foram torturados, alguns tiveram de fugir para sobreviver. Mães ficaram sem os seus filhos, noivas ficaram por casar, filhos ficaram órfãos. Os que sobreviveram têm tantas histórias para contar como as noites em que não dormiram com medo. Como as bastonadas que levaram para hoje sermos livres.

Ao João Espanhol – a todos como ele – pouco mais consigo fazer do que repetir infinitamente: Obrigado!

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