Será possível que esteja a caminho de Portugal uma tragédia ambiental (Este artigo trata da tragédia ambiental: destruição habitats, de florestas, de paisagens e não se refere à trágica perda de vidas humanas, que é uma outra dimensão do ocorrido em 2017 e que não tem medida de comparação na análise que é efectuada nesta crónica)que supere a dos incêndios de 2017? É bem provável que sim.
Descrevamos a situação. Há uma bactéria, cujo nome científico é Xilella fastidiosa que está a caminho de Portugal. Não tem hora marcada para chegar, nem está determinada a região onde se instalará. No entanto, sabe-se que vai estar entre nós, mais dia menos dia e que se prepara para ficar por cá muito tempo. Como, aliás, já fez noutros países europeus.
E como se sabe que a referida bactéria está a caminho? Muito simplesmente porque já foi detectada em várias regiões de Espanha e por isso é sabido que ela prosseguirá a sua viagem à procura de hospedeiros que alimentem a sua sobrevivência. E quem são esses hospedeiros? São muitos, mas um deles interessa-nos particularemente: a oliveira. A Xilella mata as oliveiras. Em Itália, às centemas de milhares; em Espanha teme-se o pior.
A Xilella fastidiosa não é uma bactéria qualquer. Trata-se de um organismo que, de acordo com declarações prestadas, por cientistas e técnicos que têm estudado o fenómeno, ao site www.oliveoiltimesse mostra super-resistente a todo o tipo de medidas com vista à sua aniquilação.
Para se ter uma ideia dos potenciais efeitos devastadores da Xilella, basta referir que a sua acção está a ser comparada à da praga da Filoxera, no Sec. XIX nos vinhedos, que levou à quase total destruição destes em Portugal.
Citado no site, o investigador da UC-Berkely, Alexander Purcell, especialista na bactéria, refere que a doença é "tão prevalente na maioria dos casos de Salento [Itália] que a erradicação da Xylella pode ser considerada impossível".
Com a bactéria a caminhar paulatinamente em direcção a nós e sabendo-se que os estragos que poderá vir a causar no nosso eco-sistema centrado na oliveira podem atingir proporções devastadoras, em que ponto estamos face a este perigo?
1. O nível de informação das pessoas, em geral, sobre a Xilella, é quase nulo e são poucas as que possuem algum conhecimento sobre o assunto.
2. Quando se gastam horas a discutir se se cortam árvores sãs, porque estão junto a casas e outros temas afins não há qualquer discussão sobre este tema fora de meios muito restritos.
3. Existe uma contestação crescente à estratégia seguida pelos serviços da Comissão Europeia de combate à doença - que passa exclusivamente pelo corte das árvores infectadas. Muitos cientistas e agricultores estão hoje frontalmente contra esta estratégia sem que consigam promover a sua alteração.
4. Tanto quanto é possível saber, em Portugal, não está em curso nenhuma investigação sobre a Xilella, em particular no que respeita ao olival. Em Itália os investigadores já encontraram variedades de oliveira que apresentam uma significativa resistência à bactéria e estão a fazer ensaios com vista à sua adopção. Portugal não deveria estar a fazer o mesmo, quando se sabe há mais de cinco anos que a bactéria vai chegar aqui?
5. Será que após o desmantelamento sistemático do sistema dos laboratórios públicos de investigação da área agrícola existem recursos capazes de fazer um tal trabalho? Terá o Estado contratado com alguma Universidade a realização de um trabalho deste tipo? E se sim, qual e com que propósitos?
6. Haverá alguma razão especial para que um assunto com as implicações que este tem seja praticamente ignorado? Será crível pensar-se que não falando no assunto, não investigando, não questionando as opções de combate à bactéria, as coisas vão melhorar por si? Quando atrás de nós estão catástrofes ambientais sem controlo?
7. Existem outras opções? Aquilo que agricultores e investigadores estão a fazer noutros países, designadamente contestando a solução do corte radical das árvores é credível?
As questões acima formuladas são algumas das muitas que poderão ser colocadas em torno da Xilella fastidiosa e do que não está a acontecer em Portugal a propósito da bactéria.
Desprotegidos, parece que estaremos sempre, face aquilo que é hoje conhecido sobre o comportamento da Xilella fastidiosa e à eficácia dos métodos até agora utilizados. É uma questão que nos ultrapassa.
Desinformados, só estaremos por vontade própria ou porque a informação é omitida nos canais que a deviam divulgar. Essa é uma escolha nossa.
Quando há três anos, pela primeira vez um técnico da Direcção Regional de Agricultura me falou da Xilella fastidiosa no momento em que fazia a recolha de material vegetal para análise e despiste da bactéria, lembro-me que sorri perante o nome que ela me acabara de referir: Xilella fastidiosa. Tomei nota num papel, para investigar o que era.
Hoje, não tenho vontade de sorrir e confesso: é com medo que estou, face ao que pode estar a caminho de Portugal. Não terá chegado a hora de fazer, não o impossível, mas o que pudermos? Na linha do que outros estão a fazer?