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01 JUL 2018
A CIDADE QUE AMA A FILOSOFIA
Por Jornal Abarca

Quando eu fiz o liceu (como aluno externo) em Abrantes, havia uma piada sobre o Compêndio de Filosofia, da autoria de J. Bonifácio Ribeiro e José da Silva (seguramente com origem num professor) que dizia o seguinte: “O livro de filosofia, do Bonifácio? Trata-se, obviamente, de uma obra pornográfica” - para logo de seguida e após uma pequena pausa se acrescentar: “É que, na realidade, trata-se de um texto despido de tudo e mais alguma coisa”.

Usamos esta graça, datada no tempo para mostrar que nestas coisas da filosofia em Abrantes era-se muito exigente. E o interesse pela filosofia, na cidade de Abrantes é, na minha opinião, coisa com pergaminhos.

Nesta crónica vou defender uma tese que para muitas pessoas pode ser espúria e que é a seguinte: em poucas cidades existe um interesse tão grande pela filosofia, como em Abrantes. E qual é o interesse em defender uma tese como esta?

Da minha experiência da cidade de Abrantes, retenho que as pessoas ligadas à filosofia, sempre foram muito respeitadas. Os professores, de liceu, que conheci, como mestres de filosofia contavam-se entre os mais prestigiados da comunidade educativa.

Convenhamos que esta situação tem o seu quê de surpreendente, atendendo a que a filosofia não é propriamente uma disciplina com a qual se lide facilmente, exigindo, antes, uma capacidade para lidar com o abstracto que nem toda a gente tem ou deseja cultivar.

Sendo assim, é mais do que uma curiosidade tentar perceber porque é que Abrantes, a cidade, tem este fascínio pela filosofia, que também se materializa na realização de congressos, em que participam prestigiados pensadores de nível internacional.

E também constatei que existe um Clube de Filosofia de Abrantes, bem como tive conhecimento de que teve lugar em finais de 2017 o Festival de Filosofia de Abrantes, com uma temática forte para os tempos que correm: “O regresso da história: a crise da democracia e o autoritarismo, a religião e os radicalismos”. Enfim, tudo situações que parecem confirmar a tese central desta crónica.

Recentemente, ao consultar o jornal local “Notícias de Abrantes” notei que um dos cronistas, pessoa do meu tempo na cidade, o Alves Jana, se apresentava aos leitores como “Filósofo” e que noutro espaço o Mário Piçarra, também do meu tempo, era identificado como filósofo, o que entendi como uma espécie de homenagem a esta singularidade de Abrantes e, claro está, como uma forma de demarcar um território de análise bem preciso e, a fazer fé, na tese que aqui defendemos, muito apreciada pelos abrantinos.

Mas vejamos agora estas ligações, que parecem tão sólidas, de outro ponto de vista: o da reputação/notoriedade. E a questão é a seguinte: será que uma cidade que tanto ama a filosofia e tem comportamentos sociais que podem ser considerados indissociáveis dessa razão, é reconhecida como uma cidade de cultura (filosófica?).

Ora, é essa a questão que para mim não está clara. Tenho alguma dificuldade em reconhecer que a valorização que é feita, intramuros, pela cidade de Abrantes, em prol da filosofia, extravase as “muralhas da fortaleza”. E, se assim, for, o que é uma tese que, sem ser contrária à anterior, não é com ela totalmente coincidente, por que razão é que é assim: porque é que um investimento massivo na filosofia, um respeito acima do normal pelos profissionais da filosofia, tudo isto em décadas, não projecta a cidade como uma cidade de cultura, facilmente identificada pelos outros portugueses?

O que seria normal (se é que existe uma tal possibilidade nesta questão) é que a cidade de Abrantes fosse reconhecida e considerada uma espécie de “capital da filosofia”, um espaço onde todo o filósofo e todo o pupilo sonharia vir, porque aí se respiraria, em qualquer esquina, em qualquer mesa de café, num quarto de hotel ou até na atmosfera urbana essa magia que todos sentiriam como o ethos incessantemente procurado.

Certo é que a imagem que foi descrita atrás não corresponde à realidade. E eu pergunto-me porquê? Porque é que esse imenso trabalho, em prol do conhecimento, do questionar do ser humano, da procura de respostas, da transposição do comum, da discussão de ideias e da projecção de novas ... não surtiu efeito ao fim de tanto tempo?

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