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01 JUL 2018
O Homem que eu amei
Por Jornal Abarca

O homem que eu amei tinha cara de menino e corpo de homem. Sorria como um anjo que esconde as lágrimas e a dor para não nos deixar pensar no pior deste mundo. Tinha o corpo sofrido e gasto de anos a mais a justificar uma liberdade que deveria ser natural a todos os seres humanos.

O homem que eu amei chamava-se Mandela. Nelson, por baptismo da professora primária. Negro na cor da pele, um arco-íris na história do mundo. Quando recebi a notícia da sua morte, chorei porque soube que o (meu) mundo tinha ficado irreparavelmente mais pobre.

O homem que eu amei era um mito vivo – para sempre vivo. Ninguém, em condição alguma, é assim tão forte. Não me refiro apenas por sobreviver a tantos actos cruéis, durante tantos anos. Mais relevante e demonstrador da sua força foi a forma como perdoou quem quase lhe matou os sonhos. O acto de convidar para a sua tomada de posse como Presidente da África do Sul quem o manteve enclausurado tantos anos é um gesto apenas ao alcance de Deus: perdoar assim é divino.

O homem que eu amei foi preso quando a sua filha tinha quatro anos. Quando foi libertado já era avô.

O homem que eu amei passou 27 anos confinado ao definhamento físico e psicológico. Chegou quase a desistir, confessou mais tarde, por temer que nunca fosse possível concretizar o seu sonho: que todos os seres humanos vivessem em paz, independentemente da cor da pele. Passou dias, meses, anos sem fim levantando-se com o sol e deitando-se quando este se punha para além do mar que envolve a Ilha de Robben, partindo pedra todo o dia só porque tinha aquele sonho. Dormia no chão de uma cela tão pequena que, se abrisse os braços, tocava nas paredes a que estava confinado. Tinha uma janela pequena, com vista para as estrelas, que o deixava sonhar e voar mais alto que a pequenez daqueles que o colocaram ali.

O homem que eu amei foi pai de toda a gente menos da sua filha. Roubaram-lhe (mais) um direito, por ventura o mais bonito da vida de um homem: ver uma filha crescer. Mas ele soube ser maior que a limitação da liberdade a que o sujeitaram e, por detrás das grades da prisão, foi pai de um povo, de uma nação, de uma raça, de todo o ser humano que se revê num ideal de justiça e paz para a sociedade.

O homem que eu amei aceitou essa condição, em prol de um bem maior. No seu julgamento, encenado, disse que a sua luta era o objectivo da sua vida mas que “se for necessário, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”. E estava mesmo. Já na década de 80 o governo da África do Sul, pressionado pela comunidade internacional, propôs-lhe a libertação total. Ele perguntou: “e os meus irmãos do ANC, serão libertados?”. Foi-lhe dito que não, o mesmo não que ele ofereceu como resposta à sua libertação.

O homem que eu amei vai para além dos prémios e dos elogios, das músicas e dos filmes. Representa para o mundo mais do que um funeral com líderes mundiais de todos os quadrantes, muitos deles ingratos por não terem apreciado viver no mesmo tempo que uma lenda. É muito mais do que qualquer palavra que eu consiga escrever. Será sempre o homem que eu gostaria de ter sido.

O homem que eu amei vou amá-lo eternamente.

- Homenagem ao centenário de Nelson Mandela, nascido a 18.07.1918.

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