Habitualmente atribuída ao povo romani (ciganos), filhos do vento exorta à liberdade de “Não, não vou por aí! Só vou por onde / Me levam meus próprios passos…” (“Cântico Negro", de José Régio).
Liberdade de agir contra-corrente, de gritar que o rei vai nu, de seguir a minha própria vida, sabendo apenas: “—Sei que não vou por aí!” (idem).
Filha do vento, que nunca foi nómada, no sentido restrito do termo. Defendo as maiorias porque “o povo é soberano” e temo-as com igual veemência. É por demais sabido que manipular uma multidão é bem mais fácil do que fazê-lo a alguém isolado. A reacção multiplica-se, ninguém pensa, apenas grita e barafusta como os restantes.
Naturalmente, não estou a ser politicamente correcta. Não sou política e, se não directamente expresso, muito menos politicamente correcta.
Não sei o que diria Aristóteles se ressuscitasse dos mortos e visse em que se transformou a sua “doutrina moral social”, “o bem comum superior ao bem individual”. Não sei e muito menos me atrevo a entrar por caminhos que não domino.
Sei que na sociedade que criámos o que é de facto importante é roubar sem ser apanhado. Diariamente os noticiários nos agridem com discursos, necessariamente respeitadores da “correcção política”. Valha-nos o exemplo do algarvio que não temeu confrontar o Presidente da República, foi ele que lhe apareceu pela frente, e desfiou tudo o que lhe ia na alma. Ele que tinha vivido com toda a dor o fogo de Monchique, o drama de ver desaparecer hectares e hectares. E foi obrigado a ouvir que o combate às chamas, há muito previsto, tinha sido muito bem sucedido.
Ninguém perdeu a vida e isso é, sem dúvida, o mais importante, mas daí à falta de vergonha de dizer que estão de parabéns vai uma distância abissal.
Quem me dera ter força para ser filha do vento e poder gritar “A minha vida é um vendaval que se soltou. / É uma onda que se alevantou. / É um átomo a mais que se animou… / Não sei por onde vou, / Não sei para onde vou / —Sei que não vou por aí!” (idem)