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01 AGO 2018
A Mar
Por Jornal Abarca

Fala-nos Sophia dos sentidos, da escuta do búzio que faz ouvir o mar em notas dolentes…

As ondas de calmaria no porto continuam incessantes com a sua cadência pacífica e apaziguadora…

Escritas num muro de um paraíso as palavras do jovem poeta precocemente desaparecido “Ó sorriso do Mar! ó búzio longo” recordam outras “No fundo dos búzios canta/ O mar que chora a cantar” de Afonso Lopes Vieira.

Absorvo pelo olhar os tons do verde-serra que se prolongam nos marinhos azuis e verdes que a luz projeta em tonalidades de safiras e esmeraldas que nem Monet ousaria tentar reproduzir.

Revejo-me nas palavras de Sophia “Apenas sei que caminho como quem/ É olhado e conhecido/ E por isso em cada gesto ponho/ Solenidade e risco” ou “Espero sempre por ti o dia inteiro,/ Quando na praia sobe, de cinza e oiro,/ O nevoeiro”.

Sinto o afago da brisa fresca na pele, deste verão atípico, o toque suave e o brilho do sol enquanto evolam as nossas andorinhas breves rasgando o azul celeste que quase não se distingue do marítimo, onde, também aqui, “a terra se acaba e o mar começa”.

Emanam as urzes da serra o perfume inconfundível, salutar e regenerador misturado com a ideia de que a irmã Posidonia oceanicajá cá estava antes de sermos e cá ficará quando todos formos pó, ajudando a relativizar os anos.

O palato rejubila do repasto simples e autêntico do peixe argênteo, madrepérola, a saber a mar.

Parecemos pairar, qual querubins de Cesário, na varanda para o mar, vendo os peixes nas águas cristalinas e calmas. Há os de todos os tamanhos… recordo Vieira.

Evoco as esculturas de Christina Motta numa outra baía, em Búzios, que misturam a realidade com a ficção de forma tão intrincada que produzem uma teia à primeira vista captada como real. Sobretudo numa delas representando pescadores que com a maré baixa estão sobre uma base, algo rude, semelhante a pneus, mas, quando a maré sobe, se transfiguram e parecem de facto homens que puxam cordas, ou antes redes, no mar ou, usando a recorrência bíblica, caminham nas águas. A melhor forma de as perceber é imaginar um praticante de Stand up paddle(SUP) a uma distância considerável e suficiente para que a prancha não seja visível.

Procrastinamos tarefas indesejáveis, compromissos vãos, tudo se pode, por agora, só hoje, adiar, suspender, e fruímos a natureza gratificante e a luz como selvagens exploradores de recantos e tocas. – “Posso resistir a tudo, menos à tentação.” diz Oscar Wilde, pois, também ele selvagem de nome, com acrescente da vogal. O que é certo, o que é errado? Indagamos como crianças desobedientes no paraíso longínquo. O belo será sempre, para os males da alma e do mundo, se não um antídoto, pelo menos um paliativo.

Dizemos a palavra imune e livre no ermo. Sem codificações. E o grito confessional perde-se ao vento. E deixamo-nos ir, sem pressas, o dia escoa. Orientamo-nos pelo caminho talvez menos racional, mas mais inteligente. Não onde os outros vão, mas onde queremos ir.

A imaginação é uma viagem…

A paz uma interrupção. O ser um labirinto de deliciosas certezas e (des)ilusões para a perdição que também ela, cruel, passa, como quase tudo. A felicidade um estado fugaz.

E a vida vai correndo numa gala entre o êxtase e o drama, o idílio e o real. Também ela em fuga constante.

Tudo, por estes dias, traz o apelo do mar e a memória do éden. Trata-se de fruir o sabor a mar e de saber amar.

E, enquanto não vamos a banhos, sintamos um mar de poemas.

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