Foi sempre assim. Calor no Verão. Calor de matar os passarinhos e dobrar as velas nos candelabros da sala. E íamos à serra para arejar a mana, dois ou três anos rechonchudos e quase dispneicos pela secura do ar e os quarenta e tal graus.....à sombra.

Os dias desesperantes, as noites nem sempre frescas.

Havia, no único canal de TV, programas gravados no Verão passado, filmes pré-históricos... Era impossível ter candeeiros acesos para ler. Para além do frigorífico, onde se esgotava o gelo de hora a hora, dipunhamos de ventoínhas pequenas... não havia outras.

Por isso, era uma maravilha o cinema ao ar luar, no páteo do antigo... mais antigo ainda... colégio Andrade Corvo. Os filmes que nós vimos, sentados em cadeiras periclitantes ou tábua corrida. Não me lembro do preço do bilhete. Nem recordo se o preço diferençava sequer a cadeira ou banco onde nos instalávamos. Mas voltava a apaixonar-me pelo Marlon Brando, Henry Fonda, John Wayne e a congratular-me pela magia da lua sobre aquele recinto onde numa tela gigantesca vibrávamos com “Há lodo no cais”, “O combóio apitou três vezes”, “Rio Bravo”, “Duelo ao pôr do sol”, “Os sete magníficos”, “Cochize”.....e Fred Astaire dançava como uma pluma ao vento.

E havia fogos nas matas, que no romance de Ferreira de Castro se deviam à ganância dos madeireiros. E mosquitos, melgas gordas que nos picavam sem piedade. Mas não havia internet. Não havia como encomendar fogos com rigor e preciosismo na localização e na fúria.

O calor, nessa época, impedia até o pensamento.

O calor..... Que saudades....

Depois das 7
as montras são mais íntimas 

A vergonha de não comprar 
não existe 
e a tristeza de não ter 
é só nossa 

E a luz torna mais belo 
e mais útil 
cada objecto 

António Reis 1927 - 1991