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01 ABR 2017
Identidade
Por Jornal Abarca

A identidade do indivíduo e do seu povo passa pela língua e a desta passa pelas expressões idiomáticas. Cada língua possui as suas e estas, por vezes, são próprias de uma determinada região, cultura, grupo e podem ou não ser limitadas a um determinado tempo.

Assim, temos uma multiplicidade de expressões que passou de um grupo restrito para outro mais lato abrangendo a totalidade dos falantes da mesma língua. Acontece que, caso perdurem no tempo, a origem do seu significado pode-se perder até de todo, passando apenas a ideia geral a aplicar a novos contextos. Concretizando, se pretendemos transmitir a ideia de que algo está perfeito, podemos dizer “é a cereja no topo do bolo”, como ideia de completude absoluta, de perfeição, ou é possível utilizar a expressão “é ouro sobre azul”. Ora, se em relação à primeira expressão não restam dúvidas, a origem remota da segunda pode causar até incompreensão. Vejamos, só para esta existem várias explicações. A mais simples aponta para o contraste que opõe as duas cores amarelo e azul numa distribuição circular das cores. O contraste era frequente no vestuário da realeza e na espingardaria (aço temperado enfeitado com inscrições douradas) facto que também é comummente apontado. Outra refere-se às características da escultura barroca. Com efeito, a talha dourada, pela sua complexidade ornamental em crescendo conduzia a que o ponto de fuga fosse o altar com a cruz junto de uma claraboia ponto pelo qual entra a luz. Contudo, a mais precisa reporta-se a um conjunto desta com o facto de nas igrejas barrocas portuguesas o azul dos azulejos (já existentes no Palácio de Sintra no século XV com D. Manuel I) ser encimado pela talha dourada. Esta conjugação seria o espetáculo máximo da perfeição.

Uma outra expressão cuja origem remonta à nossa História é “andar com o credo na boca”. Significa esta estar com uma grande aflição. O Credo (palavra do latim que significa creio, daí o nome) é uma oração cristã que assegura de forma irrefutável que a pessoa acredita no Deus uno, mas trino (Santíssima Trindade), no seu filho que morreu e ressuscitou e acredita também na Igreja Católica e em alguns dos seus dogmas de fé. Ora, aquando da Inquisição, decorada, estava pronta para, em caso de necessidade, de aflição, ser debitada como prova de facto do seu pretendido cristianismo. Funcionava como salvoconduto. Salvaguardava a segurança de pessoas e bens. O povo português habituou-se tanto a esta expressão que vive com “o credo na boca”…

Ainda uma outra expressão, que remonta ao terramoto de 1755, é “cair o Carmo e a Trindade” referindo algo nefasto que produz surpresa ou confusão, consequências graves até, e que se refere aos dois dos mais importantes conventos, respetivamente do Carmo e da Trindade, que ruíram nessa ocasião. A ideia perdura até hoje.

Contudo, há expressões que não se propagam e restringem-se a um grupo, por exemplo etário. A expressão “a bombar” é exemplificativa desta gíria, no caso, juvenil que significa “estar a dar”, “estar em alta”, uma festa está “a bombar” quando está excelente. Poderíamos até aproveitar para, depois da “pesca” de uma bomba no mar da Nazaré, elaborar um slogan que seria um trocadilho jocoso e dizer: “Nazaré, sempre a bombar!”. Curiosamente, a mesma expressão no Brasil significa “atordoar” e, por cá, parece que também pode significar “fatigar o cavalo por imperícia”. Neste ponto particular penso que na Golegã, por ocasião da Feira do Cavalo, também se coloca muito em prática este sentido da expressão…

Ainda um aspeto a considerar é a característica que possuem de não poderem ser entendidas literalmente dificultando e ou impossibilitando a tradução. Esta ocorre habitualmente recorrendo a uma estrutura análoga.

Na língua francesa, aprecio especialmente duas. A primeira “entre chien et loup”, que encontra paralelo no nosso “luscofusco”, significa ao cair do dia, introduzida no século XIII no francês, mas já existente na Antiguidade. Designava quando não era possível distinguir o cão do lobo, ou seja, à tardinha e de manhã. O cão simbolizava o dia, pois pode guiar o Homem, o lobo era o símbolo da noite ameaçadora com os seus medos e pesadelos.

Outra a que não resisto é “coup de foudre” que pode referir-se à queda de um raio, literalmente, ou à paixão e é uma das minhas preferidas.

Estas e muitas outras fazem parte da tessitura da língua, da sua marca, e contribuem para o seu cariz específico que lhe dá caráter.

Para a despedida usarei a expressão "see you later alligator” à qual poderão responder "in a while crocodile”…

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