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01 MAI 2017
Aurora e virtude
Por Jornal Abarca

O ser humano.

Almas cobertas de fumo inadvertidamente perdidas nas concupiscências e em busca de virtudes e virtuosidades ecoadas numa litania em que o ser é pontualmente pútrido, imberbe, volátil… em que a rapacidade e a indiferença brotam e o opróbrio conduz à cloaca. Abismos humanos.

O ser humano é tanto mais humano quanto mais solidário com o seu semelhante e com os outros seres. Por vezes a amnésia tomanos e o bulício tornanos frios.

Na minha infância, sempre os meus progenitores tiveram um ou vários fiéis amigos do Homem.

Aprendi a gostar destes animais, mas desde tenra idade que os vi como isso mesmo: animais. Confesso que cheguei a lacrimejar quando um ou outro morria, sobretudo quando ou se distinguia pela afabilidade, ou pela beleza, ou pela inteligência, como o Piloto (cão arraçado de raposo) que ladrava de forma diferente consoante a situação. Eu sabia, por exemplo, de antemão, quando o meu pai chegaria a casa, pois, vivendo num extremo exterior ao perímetro da aldeia, assim que ele entrava no extremo oposto da localidade, o canito dava sinal. Também me revoltava até às lágrimas contra a malvadez e indecência humanas, sempre que um destes animais, acérrimos defensores territoriais, aparecia em sofrimento com sinais de envenenamento, tais como o espumar pela boca e as cólicas inclementes.

Ou pela continuação, com subsequente habituação, ou pelo empedernimento que os anos trazem, recordo que na juventude considerava as pessoas que choravam pelos animais, em geral, e pelos cães em particular, ou de uma sensibilidade extrema, ou de uma hipocrisia gritante. “Pela boca morre o peixe” diz o povo. No ano passado a vida pregou-me umas rasteiras. Este ano iniciou mal. Um dos meus menores problemas foi o cão da minha filha adolescente ter morrido. Foi menor, mas não deixou de ser um problema. De facto, o labrador bege, Bolt, era o cão dos seus sonhos, grande amigo e de um carinho extremo e inteligência rara. Foi, para ela, uma grande dor e, para mim, uma dupla dor. Pelo cão e pela dor que a sua ausência lhe provocou.

Ora, mudei de opinião e sentimentos e reconheço agora que foi preciso a experiência para não minimizar o valor destes animais e do sofrimento dos seus respetivos donos nestas circunstâncias. Devemonos colocar no lugar do outro antes de tecermos considerações acerca do que quer que seja…

Contudo, há situações que me continuam a beliscar. Conheço uma pessoa que também tem um cão e que o passeia de manhã e ao entardecer pelos campos para que o animal, além de cumprir com as necessidades do corpo, fora de portas, tenha um passeio agradável. Nada a objetar. Exceto, talvez, claro, que os dejetos não deveriam permanecer onde caem. Singelo exemplo do que se passa nas cidades onde o espaço diminui de forma inversamente proporcional ao número de animais em circulação para o mesmo efeito. Referi que nada objeto, mas ao cruzar-me diariamente com este par de amigos em passeio matinal, ou vespertino e, logo de seguida, pela manhã, com uma idosa, à borda da estrada, de pé, só, sujeita à intempérie, esperando que chegue o transporte que a conduzirá ao Centro de Dia onde será acompanhada, por estranhos assalariados, não consigo deixar de pensar que há cães com melhor sorte do que certos seres humanos. Curioso é que esta senhora é familiar do senhor que passeia o cão. Humanizam-se os animais, desvalorizam-se os seres humanos?

O mesmo se passa com elementos da natureza. Já se humanizam rios para os proteger (nisto são peritos os budistas para quem todos os seres vivos são dignos de respeito. Um budista, que o seja realmente, não monta um cavalo, isso seria desrespeitar o animal). Caricato, mas certo, visto tratar-se da causa nobre da defesa do planeta. Só pergunto: quando trataremos como humanos os seres humanos?

A inclemência e ou a nequícia do Homem para com o seu semelhante é atroz.

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