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01 ABR 2017
UMA PEQUENA DESFORRA (FORA DE CASA)
E UM ANIVERSÁRIO BEM DOMÉSTICO
Por Jornal Abarca

Annapolis,Maryland, Maio de 1997

Convite para almoço na messe da Academia Naval da marinha americana, onde um amigo, oficial da marinha portuguesa, faz um curso de especialização.Enquanto espero na entrada que me venha apanhar (a segurança é coisa muito séria), leio o pórtico do portão, em grandes letras metálicas, sob um fundo azul-escuro e duas âncoras douradas:

“O difícil, fazemos imediatamente. O impossível só demora mais algum tempo”. (It´s difficult? We´ll  do it right now. Impossible? Just wait a little while.”)

O tenente de guarda na portaria vê-me ler e esboçar um sorriso. De sobrolho meio franzido, pergunta-me senão acredito que na marinha americana aquilo é verdade. Respondo que claro, sim, claro que acredito, então não ia acreditar?

Só que para nós, em Portugal, foi o contrário. O que lhe digo:

- Pois é, mas em Portugal, o impossível foi feito quase a correr, coisa de 40 anos. O difícil, esse sim, é que levou o seu tempo e não nos convenceu por aí além.

O tenente fica naturalmente confuso. Sorrio com ar condescendente (queirosiano, eu sei) e explico:

- Veja bem, toda a Europa achava impossível chegar por mar à India, o próprio Colombo se enganou. Mas Portugal chegou, sabíamos muito bem onde era a India. E depois o Brasil, Malaca, China, Japão. O difícil foi ficar por lá.

Levou-me algum tempo a explicar ao tenente, o que queria dizer, mais a mais porque afinal, Colombo tinha feito um erro e peras e ainda hoje o comemora – Columbus Day, feriado nacional! Ora, para um americano chegar à conclusão que os índios dos westernsnunca o foram nem o são, não era propriamente fácil de mastigar - onde é que ficavam o John Wayne, Burt Lancaster e Clint Estwood no meio daquilo tudo? 

E mais confuso ficou quando me pergunta (já sabia que o ia fazer) em que data é que Portugal afinal tinha feito aquela proeza:

- 20 de Maio de 1498. Qualquer livro de história o diz.

- Só 6 anos depois de Colombo?

- Sim, para aí 5 meses e uns trocaditos.

Não resisti a dar-lhe meio cheque-mate, se o foi  – contei que os Corte Reais também tinham feito das suas pelas costas do Canadá. E bem por ali perto, em New England.

Mesmo ao pé de si, meu Tenente. Coisa de 240 km sempre de nariz para o Atlântico, o meu tenente não tem que se enganar, está marcado nas rochas …

Chega o meu amigo, o tenente bate continência (o meu amigo é Comodoro), e quase ao passar do portão, cumprimento o tenente:

- Olhe, deixe lá. Durante 80 anos fomos nós e os espanhóis, pelo mundo fora. Depois foram os ingleses. E agora, vocês.

E (sou horrível), aponto uma farpazita final:

- Em termos de séculos, é simples questão de dança das cadeiras…

Altura do meu amigo ficar confuso, não percebe o que se passou mas quando expliquei, ele é que quase caiu da cadeira. Realmente, quem me manda ser assim abelhudo e metediço?

Resumo desta pequena ópera em sorriso sustenido maior: 

Pelo que o meu amigo depois contou, houve logo um certo reboliço na Academia; .

Na 4ª feira seguinte, foi convidado a dar uma aula sobre as navegações portuguesas no hemisfério sul no auditório maior, onde cabem cerca de 400 alunos;

E no ano seguinte, a cadeira de História Naval levou alguns inevitáveis (e saborosos) aditamentos...

Se foi ou não por causa do meu diálogo no portão  de entrada, não tenho nem ideia. Acham que sim? Mas que saí de lá com a ideia do Colombo ter ficado mais azedo do que limão em vinagre e o Vasco da Gama, com um sorriso no meio da barba… lá isso fiquei.

PS  - Por falar de datas, 27 anos, já passa um quarto de século. E 27 anos atrás, foi princípio de uma década, a última antes de um novo século. Cálculos simples de Lineu mas tão sinceros como os parabéns que deixo. Venha mais uma década (pelo menos).

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