O estimado leitor deve saber por estes dias do que se trata esta crónica sem ser necessário ler o texto por inteiro. Por todo lado se lê e se tenta encontrar as razões e os culpados dos incêndios de Pédrogão Grande. Pode ler-se “devido a factores ambientais e ao clima mediterrâneos” ou ainda “ventos fortes e temperaturas elevadas”. Depois temos as explicações mais detalhadas : “o cultivo e a plantação de eucaliptos” fizeram o fogo arder mais rapidamente.
Vejo e analiso todas estas explicações até aquela onde dizem que a culpa é de Paulo Portas e agradecem ironicamente a compra dos submarinos. Mas a verdade doí mais fundo: todos temos culpa por aquilo que aconteceu em Pedrógão Grande.
Talvez o leitor ache esta crónica um texto dramático mas durante anos assistimos pacificamente a ver as chamas devorarem as nossas florestas sem grandes protestos. A verdade é que sabemos que as zonas verdes depois de ardidas valem menos e muitas pessoas compram terrenos que se tornaram desvalorizados depois dos fogos. Nós temos culpa porque sabemos assim como os negociadores de madeira que a madeira depois de ardida perde valor, é mais barata e mais fácil de vender. Depois existem também os abutres que das árvores ardidas podem usar mais facilmente a resina para fazer cola.
Lembro-me quando era Verão e choviam cinzas e as pessoas já acostumadas ao fogo diziam: é dos incêndios, outros ainda fechavam as portas de casa e levavam consigo a roupa molhada para não apanhar cinzas porque o que era importante era manter a roupa branca.
Pergntei antes dos fogos a conhecidos e familiares se este ano íam limpar as matas antes do
Verão. Olharam-me no rosto e ainda divertidos perguntaram: “ Achas que famos fazer isso? E nós lá temos tempo? Já viste o tamanho daquelas silvas?” Eu sorri de volta e perguntei se tinham pelo menos alguém para limpar ou seguro contra incêndios. Depois as pessoas dão a desculpa do “dinheiro” mas sempre vão conseguindo algum para jogar no euromilhões, ver jogos de futebol, ou até para comprar uma vestimenta nova. Mas os incêndios, o fogo... tudo isso lhes parece uma coisa muito abstracta.
Um facto que nunca será abstracto na minha memória foi um ano quando ainda praticava
canoagem e dos dois lados das margens do rio vi o fogo “acender-se” misteriosamente ao mesmo tempo como se tratasse de algo inexplicável ou transcendental. Depois vieram as explicações e as histórias dos especialistas: “foram as faúlhas das árvores a arder que voaram para a outra margem como o vento”. E eu dentro do meu barco, ainda segurando a pagaia e sentindo o vento na pele vi as duas margens a arder e assisti impotente.