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01 JUN 2017
Um pensamento out of the box
Por Jornal Abarca

O meu anterior artigo, dedicado à memória do ilustríssimo (Dr.) Eurico H. Consciência, que intitulei “Um Mestre-de-Vida” mereceu alguns comentários de pessoas que o conheceram e também têm dúvidas sobre se a postura da cidade para com ele foi (é) a mais justa, após tantos anos de intervenção cívica.

Numa dessas conversas veio à liça as ideias que o (Dr.) Eurico H. Consciência professava desde há vários anos. Proponho-me, hoje, nesta prosa adicional, caracterizar esse pensamento, sobejamente apresentado em múltiplas plataformas de intervenção e em diferentes momentos.

Os pontos essenciais do pensamento (que poderemos classificar de “fora da caixa” –out of the box, como se diz hoje amiúde) político e social do (Dr.) Eurico H. Consciência, podem ser caracterizados nos seguintes termos:

(i) Ele acreditava que a democracia não se limita à forma orgânica institucionalizada (vg. “democracia representativa”; erroneamente identificada com “partidocracia” –sistema que desde 1974, nos apresentam como sinónimo único de democracia em Portugal) e que deveriam outras formas (institucionais) de as pessoas se exprimirem sobre os assuntos respeitantes à sua comunidade.

(ii) E também considerava que cidadãos empenhados e fortemente mobilizados poderiam afrontar o sistema que se ia criando (à volta de dependências múltiplas e uma dose não negligenciável de subserviência e nepotismo. Naturalmente, neste particular, equivocou-se: a cidadania, como a acção cívica, foi das primeiras coisas a ser aniquilada em Portugal, logo nos alvores da democracia e por muitos anos, ao ponto de ainda hoje, muitos portugueses, nem saberem o que isso é

Este fenómeno merecia uma maior atenção dos nossos historiados e até da sociologia e da ciência política. A implantação da democracia representativa fez-se, no pós-1974, muito à custa da perda de cidadania, quando se incutiu nas pessoas a ideia de que a única forma legítima (oposta ao “regime corporativo”) de intervenção pública era a realizada a partir da plataforma política (partidos ou coligações de partidos). Aos cidadãos foi vedado o acesso à acção cívica: o espaço onde a cidadania se realiza.

(iii) Para o (Dr.) Eurico H. Consciência ter independência, face ao Estado tentacular e demonstrar que é possível projectar uma carreira, um percurso de vida, numa base de independência pessoal, sem compromissos fortes que limitassem a capacidade em ter voz, era uma questão de regime. Não contava, porém, que o processo de implantação da democracia representativa levasse a uma tão grande acumulação de poder pelas forças institucionais emergentes que, na prática resultou na criação de condições para aniquilar a grande maioria do pensamento divergente, como era o seu.

(iv) Talvez a sua mensagem mais forte e permanente fosse a de que o socializador mais poderoso que há –o trabalho- é também o mais forte argumento a usar contra as oligarquias de base ociosa. Toda a vida o (Dr.) Eurico H. Consciência usou o argumento de alguém que elegeu o trabalho como a sua forma de vida. E aí, nesse campo, que é também o da moral e dos costumes, foi indestrutível: ninguém, nem nunca, o conseguiu abalar, na sua determinação. O trabalho de excelência foi o campo em que o (Dr.) Eurico H. Consciência deu as cartas que poucos conseguiram baralhar como ele.

É este o legado que o (Dr.) Eurico H. Consciência deixou. Uma maneira de estar que pequenez alguma poderá escamotear e que um dia será reconhecida.

estevaomoura@yhaoo.com

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