Em 1950, assisti ao desfile das marchas de Lisboa em Belém. Nessa época não se desfilava na Avenida da Liberdade. Até o campo de futebol das Salésias foi palco das marchas.
Nada do luxo e embelezamento que hoje têm. Era o povo na sua imaginação mais simples.
Mas por esse tempo cada bairro, cada canto, tinha fogueiras e grupos que marchavam. Bastava um cavalinho, rapazes e raparigas e lá seguia a marcha até ao arraial mais próximo. Em cada canto um altar humilde e os miúdos, descalços e famélicos, pediam lastimosamente "um tostãozinho para o Santo António"
Era imprescindível saltar a fogueira, chamuscar uma alcachofra que ia dormir debaixo da almofada.... Na manhã seguinte, se refloria era promessa de namorado em breve e perguntava-se o nome ao primeiro homem com quem a rapariga se cruzasse... seria esse o nome do prometido. Mas se a alcachofra permanecia queimada... Santo António tinha um milagre a agendar. Roubavam-lhe o menino, puxavam-lhe a corda que o santo trazia à cintura, prometiam velas e velas...
Minha mãe levava as velas para Pádua. Anos a fio. Mas o Santo, já idoso de séculos, trocou as suas promessas e casou uma das filhas quatro vezes!
GRANDE MARCHA DE LISBOA DE 1950
Cá vai a marcha mais o meu par
Se o não trouxesse quem o havia de aturar
Não me digas sim, não me digas não
Negócios de amor, são sempre o que são
Já não há praça dos bailaricos
Tronos de luz, num altar de manjericos
Mas sem a Praça que foi da Figueira
A gente cá vai, quer queira ou não queira
Estribilho
Ó noite de Santo António
Ó Lisboa de encantar
De alcachofras a florir
De foguetes a estoirar
Enquanto os bairros cantarem
Enquanto houver arraias
Enquanto houver Santo António
Lisboa não morre mais
Cantou Amália Rodrigues
