A dois meses das eleições autárquicas o país não dá por elas. O país só constata que continua a arder. Os telejornais continuam a abrir com imagens de fogos e falhas no SIRESP.
Hoje, 25 de Julho de 2017, a manhã abrantina acordou encoberta. Uma nebulosidade falsa. Ausente de nuvens.
Uma nebulosidade feita dos fogos que nos circundam. Feita do sofrimento dos concelhos de Proença, Sertã, Mação, Gavião… e já chega.
Não vou repetir a lacuna de estratégia de combate devida pelas entidades envolvidas que falharam ao longo dos anos e seus governos que alternaram na casa da democracia. Sim, alternaram ao ritmo dos nossos votos. Mas que se pretenda transformar o número de óbitos numa questão política, num segredo de justiça, numa lista oficial ou não oficial, num conceito tão original quanto “ignorância de Estado” (seja lá o que isto queira dizer) quando qualquer cidadão pode dirigir-se a uma Conservatória de Registo Civil e solicitar um assento de óbito, pagando a devida certidão, claro, é imoral. Que lição deixou Pedrogão? Com estes comportamentos, absurdamente, nenhuma.
Uma das características portuguesas que me leva frequentemente a criar uma relação dupla com o nosso país é a irresponsabilidade.
Momento um: factos.
Momento dois: consequências.
Momento três: apurar responsabilidades.
Momento quatro: criar comissões.
Resultado: Arquivamento/Não provado/Irresponsabilidade.
Há quem diga que a palavra saudade não tem tradução. É portuguesa, sem mais. Ora bem. A irresponsabilidade também o é. Com o decorrer do tempo esquecemo-nos das ditas comissões e elas esquecem-se de nós.
Em Outubro teremos eleições autárquicas. Alguém reparou? Também não interessa. “Assim como assim” e como dizia Eça “os lustres estão acesos”.
Num jantar de amigos e em tom de brincadeira pedi ao grupo que criássemos uma figura jurídica atípica ou híbrida para o nosso concelho de forma a poupar dinheiro aos contribuintes. Não se realizavam eleições e tenho a certeza que outros concelhos agradeceriam a solução por nós criada. Alguém respondeu imediatamente “ajuste directo”. Respondi que não reunia os requisitos: o ajuste já está tipificado na lei, portanto faltava a originalidade, além de ser sobejamente conhecido no meio. Também não poupava tanto dinheiro.
Perguntarão: o que tem em comum fogos, eleições autárquicas e ajuste directo? Deixo-vos novamente com Eça porque em “Portugal não há ciência de governar nem ciência de organizar a oposição” … e os “políticos são nulos a resolver crises, não têm a austeridade nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o estadista” – Farpas/1872.