Ainda antes da domesticação do fogo o Homem, crianças, mulheres e homens, vivendo em comunidades grupais, sempre que apanhavam ou conseguiam subtrair alimentos a outros animais, despojos ou carcaças por eles capturadas, convivam não à volta mesa, sim nas mais diversas posições, o convívio durava enquanto não se consumiam os restos dos outros. Se porventura um incêndio fortuito deixava rasto através de carne dos animais apanhados pelo fogo percebiam a diferença entre o assado e a sua comida quotidiana, produtos crus, fermentados e podres. Só que o Homem não sabia produzir, domesticar e «fazer fogo» quando precisava ou lhe apetecia.
Um dia por causa acidental ou através da fricção de elementos, dois paus, o nosso ancestral antepassado «apanhou» o fogo, de imediato resultou uma extraordinária revolução alimentar porque os alimentos passaram a ser objecto de cozedura, nas diversas cozeduras que ia descobrindo à medida que inventava utensílios e artefactos, à medida que ia extraindo gorduras de animais e vegetais.
Se consultarmos as obras de referência relativamente a convivialidades elas dizem-nos quão importante a partilha de refeições seja entre os possidentes, seja no seio das comunidades a viverem em semipenúria, com estas últimas a extravasarem em entusiasmo porque refeição melhorada correspondia ao que se costuma dizer, ou por causa disso mesmo – retirar a barriga de misérias –, já que no respeitante aos banquetes desde os tempos primitivos foi iniciada uma representação sensorial baseada nos elementos religiosos, políticos, sociais e culturais determinantes em cada Comunidade.
Não por acaso Platão escreveu O Banquete, e Ateneu o formidável Banquete dos Eruditos, tratado a englobar produtos empregues nesses festins, cozinheiros e suas manias na sua preparação pois os mesmos eram objecto de acerada crítica por parte dos sibaritas participantes, ainda acerca da civilidade e etiqueta então em vigor. Este tratado continua a ser objecto de estudo, pena não estar traduzido em português, pelo menos deste lado do Atlântico.
Festa sem comeres substanciais cuja confecção obrigava (obriga) a cuidados maiores, veja-se o desvelo empregue na concepção da doçaria, não era (é) festa, por essa razão todos os povos da civilização Ocidental têm grande orgulho nas suas receitas tradicionais, muitas delas já mereceram o reconhecimento de património mundial da Humanidade por parte da UNESCO.
Da festa passou-se aos Festivais Gastronómicos, mostras temporais das especialidades de países, regiões e povoados, tendo-se tornado banal a sua realização quantas vezes de forma mimética, também de modo descuidado e oportunista desvirtuando o objectivo inicial de tais acontecimentos.
O Festival Nacional de Gastronomia em Santarém, leva mais de três décadas de realização, terá sido o primeiro Festival no século passado a conceder primacial atenção às diversas cozinhas regionais, em França e Espanha começaram bem mais cedo, procurando potenciar e preservar produtos e fórmulas culinárias em risco de serem trituradas pelo progresso científico e técnico da indústria alimentar.
Pode parecer exagero a afirmação do trituramento de práticas alimentares de antanho, não é, tomemos como exemplo o pão, no antecedente cada lugarejo, aldeia, vila e cidade abasteciam as populações de pão fabricando-o conforme os usos e costumes de cada Comunidade, daí terem surgido pães de singularidade específica, o pão alentejano divergia da broa de Avintes, esta do pão centeio transmontano e por aí adiante, até ao pão-de-ló, passando pelo pão de Ul, o pão de Mafra, as regueifas de Valongo, o pão do Sabugueiro e os folares e bolas de carne com relevância para as de Bragança, Valpaços e Lamego.
Ora, os Festivais têm de superar a banalidade de grande parte deles, têm isso sim de apresentarem ao público as evidências produtivas de cada terrunho numa simbiose de revitalização da nossa herança cultural e a natural evolução na composição de receitas capazes de suscitarem o interesse dos tradicionalistas e dos modernistas numa harmonia de sápidos sabores a torná-los imprescindíveis na programação das autarquias e instituições promotoras de cada uma das localidades onde se realizam estes actos, até porque no que tange a comeres e beberes poucos dizem não serem clientes.
Na região de influência deste órgão de comunicação social levam-se a efeito vários Festivais, salvo melhor opinião ganhariam se fossem revigorados seja no aprofundamento das temáticas, seja na adopção de outras, matéria-prima não escasseia.