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02 OCT 2017
Amoreira
Por Jornal Abarca

O férreo Marquês, Sebastião José, apesar das escuras para não dizer negras acções durante o seu longo reinado na qualidade de Valido do retorcido rei Dom José, o Reformador, ficou proprietário desse cognome porque assinou de cruz todos os ímpetos reformistas de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, mais tarde Marquês de Pombal.

Acerca do furioso vendaval que era, as prateleiras das Bibliotecas guardam copiosa bibliografia e inúmeras biografias de valor desigual conforme a consciência e paixões dos biógrafos, indo de acentuado proselitismo até ao ódio visceral. O Marquês após o falecimento do rei atreito a torpezas, como a de ter enviado em missão para a Índia um fidalgo da primeira nobreza no intuito (conseguido) de lhe possuir a bela mulher, caiu vítima da viradeira instituída no reinado de D. Maria I. Morreu inchado, de pernas dormentes, no exílio em Pombal.

Feito este breve escorço, brevíssimo, importa justificar o título da crónica – Amoreira – pitoresca povoação integrada na freguesia de Rio de Moinhos, recentemente empobrecida e enegrecida devido à violenta acção dos fogos dizimadores da região.

Pois bem, o Marquês sabendo do êxito da cultura da amoreira em França e na Alemanha, pensando na industrialização do País, entendeu importar alguns milhares de plantas e mandou distribui-las por onde os seus peritos lhe disseram, tendo cabido a Abrantes, 2.897, dessas plantas, as quais foram distribuídas pelo concelho, incluindo e reforçando o topónimo amoreira – cujo ponto de referência era uma Ermida já então estabelecida.

A indústria da seda não resistiu à praga que aniquilou milhões e milhões de bicho-da-seda que se alimentavam de folhas de amoreira, e ao progresso fabril no domínio têxtil. Os principais produtores de seda foram o Distrito de Bragança e Vila Real, existindo núcleos industriais na Beira Alta, Beira Baixa e Estremadura, esta última a integrar Abrantes.

A história da sericultura perde-se na noite dos tempos, a China leva a primazia, quase três mil anos antes do nascimento de Cristo, já os chineses cultivavam amoreiras e consequentemente os requestados bichos-da-seda, insectos na fase larvar segregadores de líquidos glandulares a formarem casulos onde as mariposas na sua metamorfose se acoitam.

Ora, na Amoreira e redondezas existem vestígios dessa indústria geradora da seda, tecido brilhante, leve, sedoso (de seda) e cobiçado para a confecção de vestuário, colchas, tapetes, panejamentos e vestes pomposas muito cobiçadas pelos altos dignitários religiosos, académicos, sem esquecer artistas de múltiplas aptidões, incluindo os das artes tauromáquicas.

As espécies vermelhas, brancas e pretas são as de maior cultivo, de natureza silvestre, as pretas, pontificam nos silvados campestres, outrora alimento da dieta de pastores, agricultores, caminhantes, peregrinos e pobres, especialmente os de pedir nas zonas rurais.

As amoras vermelhas mais ácidas permitiam ao rapazio besuntar-se de forma a encher a face de adornos capilares, as meninas permitiam-se pintar os lábios, no decurso das pinturas comiam-se entre esgares acidulados. Importa sublinhar o apreço dos pasteleiros e confeiteiros pelas amoras, os chefes também as utilizam nas saladas, nas tartes, no acompanhamento de pratos de peixe e carnes, fazendo parte de receitas da alta-cozinha, sofisticada, leve, criada para a plena satisfação do visual (os olhos também comem), do olfacto (narizes exigentes gostam de aspirar os aromas provenientes da comida), e do palato.

Por estas bandas as amoras pouca presença tem no receituário local, quanto muito na pastelaria e gelados, não acredito em súbitas ou demoradas conversões, porém, se esta crónica suscitar o interesse das mestras e cozinheiros pelas amoras já valeu a pena escrevê-la.

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