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01 SET 2017
O ESTÁDIO DA CORRUPÇÃO
Por Jornal Abarca

Uma das coisas que mais me intrigava quando fui vereador, pela primeira vez, há mais de vinte anos, era o seguinte: a Câmara abria um concurso que toda a gente sabia a quem se destinava. Candidatavam-se, além dos destinatários, cidadãos de todo o país, muitos deles, com qualificações muito superiores aos destinatários do concurso. Realizavam-se as provas escritas com um grau de dificuldade elevado. E, no final, quem obtinha as melhores notas eram sempre e invariavelmente as pessoas a quem o concurso se destinava.

Até que houve alguém, certamente comovido com tanta ingenuidade, que resolveu esclarecer-me o mistério das boas notas dos destinatários do concurso: o acesso à prova antes de a mesma se realizar e, nalguns casos, chegavam mesmo a ser os autores da própria prova.

Quando voltei a ser vereador, anos mais tarde e noutra Câmara, jurei a mim mesmo que não iria permitir que se fizesse batota nos concursos de pessoal. E não foi preciso esperar muito para constatar que os concursos funcionavam da mesma forma. E uma vez que as minhas intervenções na Câmara não produziam efeito, participei o caso ao Ministério Público, tendo reunido documentação e conseguido convencer algumas pessoas a deporem. Não é fácil, em Portugal, sublinhe-se, onde o poder autárquico tem um poder de fogo sobre o cidadão altamente dissuasor, encontrar pessoas disponíveis para denunciarem este tipo de situações. Mas o dever de consciência impôs-se às conveniências.

Passado pouco tempo, fui chamado para prestar declarações, tendo sido ouvido por um inspector da judiciária que me disse no final: "relativamente aos concursos de pessoal, não vamos fazer nada porque todos fazem o mesmo."

Na altura, aquilo escandalizou-me. Mas a verdade é que todos fazem o mesmo: seja o PS, o PSD, a CDU, o CDS, o BE, o FC Porto ou o SL Benfica. E o Sporting só não faz porque ainda não lhe deram a oportunidade.

Antigamente, costumava dizer-se na brincadeira que "vergonha não era roubar. Vergonha era roubar e ser apanhado." Mas hoje são apanhados e não têm vergonha nenhuma. Pelo contrário, ficam é ofendidos e indignados por alguém ter a ousadia de os desmascarar publicamente. Esta gente quer roubar, matar, saquear, subornar, corromper, fazer batota, nas nossas barbas e ainda ser venerada por nós. Os crimes que eles cometem, por mais graves que sejam, são sempre irrelevantes. O único crime relevante neste país e que importa castigar com duras penas é aquele que os desmascara.   

Eu nunca precisei de ouvir as escutas do Apito Dourado, nem da operação Marquês, nem tão pouco preciso de ler os mails do Benfica para saber como se ganham os concursos públicos e os títulos neste país. Como canta Leonard Cohen: "Everybody Knows"...

 

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DELAÇÃO PREMIADA

 

Os políticos e para-políticos portugueses, onde se incluem os banqueiros, os dirigentes das SAD e dos grandes clubes de futebol, têm horror aos dois únicos instrumentos capazes de combater as organizações mafiosas e o crime de colarinho branco: a criminalização do enriquecimento ilícito e a delação premiada. E qualquer pessoa que viva neste país percebe porquê.

E na sua argumentação não têm sequer pudor de comparar os "bufos" do antigo regime com os "arrependidos" quando a diferença é abissal: os "bufos" eram um instrumento ao serviço do poder ditatorial e corrupto para garantir a sua perpetuação no poder; a "delação premiada" é um instrumento das sociedades abertas para combater o poder corrupto e destruí-lo.

Quanto ao crime de enriquecimento ilícito, chegam a argumentar com a presunção de inocência (????!!!!....) Ora, a presunção de inocência existe nos mesmos termos que existe para todos os outros crimes. Se se provar que uma pessoa matou outra, cabe a quem matou demonstrar que agiu em legítima defesa, se quer ser absolvido. No crime de enriquecimento ilícito, é a mesma coisa: se houver incompatibilidade entre os rendimentos declarados e o enriquecimento do seu património, cabe a este demonstrar que o enriquecimento do seu património foi obtido de forma lícita.

No entanto, numa República em que a corrupção está inscrita no seu ADN, seria de estranhar que não fossem inconstitucionais os dois únicos instrumentos capazes de pôr risco o (ir)regular funcionamento das suas instituições.

 

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