Não li nem vou ler o Acordão do Tribunal da Relação do Porto, porque o seu sumário e os extractos que circulam na comunicação social ofendem, suficientemente, a dignidade feminina para dedicar o meu tempo a ler tamanha verborreia vexatória.
No Código Civil de 1966 existia um artigo com a epígrafe: “Da incapacidade da mulher casada”. E foi assim até 1974.
O marido administrava os nossos bens, podia pôr fim aos nossos contratos de trabalho que supostamente assinávamos livremente (?) autorizavam as nossas saídas para o estrangeiro e determinadas profissões estavam-nos vedadas, tais como, lugares de chefia na Administração pública ou enfermagem. Parece distante e irreal mas foi ontem. Não é distante.
Irreal, bizarro e presente – 22 de Outubro de 2017 – é o acórdão publicado pelo Tribunal da Relação do Porto, redigido pelo Juiz Desembargador Neto de Moura e, até, assinado por uma mulher, a Juíza Desembargadora Maria Luísa Arantes ao considerar que “o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou (são as mulheres as primeiras a estigmatizar as adúlteras), e por isso (a sociedade) vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”.
Não sei quais as idades destes Senhores Juizes, qual a sebenta deIntrodução ao Estudo do Direito pela qual estudaram no 1.º ano de faculdade e desde logo aprenderam que o direito acompanha a evolução da sociedade - a norma jurídica reflecte os comportamentos sociais - nem tão pouco se recordam que no novo regime do divórcio - Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro, a palavra “adultério” foi eliminada, mas sei que até invocam a Bíblia com manifesta ignorância pela mesma.
Servir-se de uma passagem bíblica do Antigo Testamento na fundamentação de um acórdão “na Bíblia podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, quando por excelência um dos textos mais bonitos daquela é, indubitavelmente, o episódio de Cristo sobre a mulher adúltera no Evangelho de S. João, para além do Tribunal dos Direitos do Homem até Roma se devia pronunciar.
Perante a pergunta se a mulher que cometeu adultério deveria ser apedrejada, Jesus respondeu:“ Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra”.
Esta pergunta é um caso jurídico. Perante os Livros do Deuterônimo e Levítico – Antigo Testamento - ambos referem, realmente, que toda a mulher surpreendida em adultério deveria ser condenada à morte, como “se serve o Sr. Juiz do acórdão” deste texto ignorando aquele que realmente foi escrito por Cristo? Jesus contrariou o Antigo Testamento escrevendo com o dedo no chão.
Para além da ignorância na interpretação bíblica, do ponto de vista social este acórdão medieval envergonha a mulher portuguesa, ofende-a na sua dignidade, desprestigia a justiça e de tão ofensivo subjaz-lhe uma natureza ameaçadora e preocupante nas sentenças/acórdãos que o futuro ditará.
Este acórdão é um retrocesso civilizacional , social e jurídico.