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20 DEZ 2017
O "Natal dos Simples"
Por Jornal Abarca

Abrantes, meados dos anos sessenta: um grupo de miúdos, todos vizinhos e moradores nas ruas que circundam a igreja de São João, decide lançar mãos à obra para, na véspera de Natal, se juntarem depois de a consoada ter sido passada em família.

Tida a ideia, o primeiro problema estava em como concretizá-la. O processo, complexo para a época, passou por cada um pedir autorização em casa para poder sair “depois da meia-noite, lá pela uma hora” –o que não veio a revelar-se tarefa fácil.

Alguns obtiveram a autorização mais facilmente. Outros, foi necessário que uma “comissão” fosse a casa dos pais pedir para que eles pudessem ir. Mas estas coisas eram fáceis. Éramos todos vizinhos. Os pais de todos conheciam cada um de nós e sabiam que dali “não podia vir nada de mal”. E assim, lá se constituiu o grupo. Não éramos muitos. Talvez uns oito ou nove.

O segundo problema era: onde fazer a “festa”? Depois de muitas discussões e hipóteses, a escolha acabou por recair no rés-do-chão da casa Luís Gabriel (“Feijão”) onde se costumava jogar o Monopólio.

E lá se criou uma nova “comissão” para apoiar o Luís e ir falar com os seus pais, o Sr. Luís “Feijão” e a D. Luciana.

Valeu a circunstância de os do grupo serem todos vizinhos e parceiros de férias e tempos livres, o que gerava confiança da parte dos progenitores. Diga-se, em abono da verdade, que foi a bondade da D. Luciana, que, quebrando as resistências do marido, acabou por franquear a porta da sua casa para aí se dar início a uma tradição que duraria anos: o “Natal dos Simples”.

Não havendo dinheiro (nem autorização) para comprar bebidas, que o resto era o que vinha das casas, estas eram fornecidas pelo Zé Vinagre (que vivia em frente) que, com autorização dos pais, trazia da “garrafeira” de ofertas da Farmácia Motta Ferraz, a bebida que se tornou a imagem da festa: o Licor Beirão e mais alguma outra garrafa.

Os seus pais, a D. Alexandrina e o Sr. José, que foram dos que tiveram de ser convencidos a deixar o filho participar no natal dos simples, são daquelas pessoas que, pela sua bondade e tolerância merecem ser citadas aqui, como alguém que teve um contributo decisivo para que o Natal dos Simples se fizesse.

Nos primeiros anos do Natal dos Simples a festa era mesmo simples: primeiro uma escapadela à missa do galo (bom! Na porta ou no fundo da igreja, se esta era em São João, que a São vicente não se ia); depois uma sessão de “comes e bebes” do que havia, com reinação à mistura ou até um jogo de Monopólio, onde não faltavam os golpes da banca.

A noite terminava com a tal saída para as ruas, onde as trivialidades eram a dominante e acabava sempre com uma ida à fonte de São Caetano. Era mesmo coisa de miúdos: ir à fonte, rir, dizer piadas (às vezes com um frio de arrepiar) e voltar (já para o tarde) cansados e com vontade de ir para a cama. Isto, quando depois da EICA, não havia ainda uma única casa.

Quando, hoje, em Abrantes se assiste, pela altura do Natal a uma pequena multidão em torno de madeiros ardendo ou simplesmente convivendo, é bom recordar como foi que tudo isso começou. Como foi que as ruas, antes desertas, começaram a ter pessoas por essa época do ano que davam à quadra natalícia outro sentido e outra interpretação

A mensagem voava ao vento. E a cidade ia crescendo, ao mesmo tempo que nós, para a sua maturidade.

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