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01 FEV 2018
Os namorados do Porto
Por Jornal Abarca

E ele disse naquela voz segura, a voz dos segredos e dos silêncios, terna, amendoada e com um salpico de melancolia: − Quarta-feira. Nas quartas-feiras há avião. Na pronúncia chique do Norte.

Não se discutem promessas por abrir, nem se duvida nunca duns imensos olhos de veludo.

Não veio.

A minha amiga perguntou com ironia a estabelecer certezas:

Ele é donde? Do Porto? Tive um namorado do Porto, também dizia que vinha numa quarta-feira.

Porque havia avião?

− Isso.

Abreviou ela, cuja voz não tinha pronúncia de amêndoa nem regionalismos, nem tristeza, nem fé. Disse. Assim como um apontamento. Como quem regista factos numa agenda de pragmatismos absurdos.

Às quartas-feiras à noite, um pouco antes da noite, ficava à janela a ver passar os aviões que vinham para a Portela e lembrava-me da fala dele. Amendoada. E pela vida fora, quantos aviões que viriam do Porto não provinham na realidade de Génova, Caracas ou Rio de Janeiro? Ainda hoje me sento no quintal, olhando a noite imensa e absoluta, e sonho que aquele avião lá na confusão das estrelas vem do Porto.

O Porto.... Há duas cidades onde nunca fui sem estar a chover: Santiago de Compostela e o Porto. Num Verão sublime, chegámos a Santiago e abriu-se o céu chumbado. Ensopados até os ossos! E foi sempre essa chuva clara e fresca a surpreender-nos quando escolhíamos a Galiza para última paragem antes de entrar em Portugal e terminar as férias. O Porto! Incómoda a imagem duma cidade escura, mal iluminada, húmida, debaixo daquela chuva sem fim nem som e um hotel que tinha sido novo na belle epoque, pomposo, angustiante e gelado. Arrepia-se-me ainda a alma quando penso no Porto.

Nunca confirmei se havia aviões do Porto à quarta-feira.

Mas no léxico da nossa cavaqueira, para todas as promessas por cumprir, entrou a definitiva e ácida conclusão: os namorados do Porto vêm à quarta-feira. Na pronúncia chique e amendoada do Norte.

 

Tomara...

Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara 
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais.

Vinicius de Moraes (1913 – 1980)

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