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01 FEV 2018
Não é só do burro, mas também da albarda
Por Jornal Abarca

Desenganem-se os caros leitores e os meus estimados amigos e colegas da área política do PSD que o título desta crónica tem como fim a pura ofensa ou maledicência. Nada mais errado. O burro, aliás, como o conhecemos, e o seu significado – um animal com um défice precário de inteligência acima da média – , não passa de um mito: está provado que é um animal muito inteligente. A utilização e adaptação destas palavras populares servem para explicar qual é o problema actual do PSD, na minha óptica, depois das suas eleições internas no passado dia 13.

Um tanto inesperado, porém como previa, Rui Rio ganharia as directas do PSD com aproximadamente 10% de diferença do adversário Santana Lopes. Fora, como se viu, uma guerra do Norte contra o Sul, onde claramente Santarém marca a linha divisória; e, como tal, o Norte, área de maior implantação daquele partido, tiraria qualquer dúvida.

Na verdade, as fragilidades de Santana eram maiores e mais profundas do que os fait-divers ocorridos na campanha de Rio, o que acabou por se reflectir claramente no resultado. Santana era candidato à presidência do PSD pela quarta vez, teria tempos conturbados nas câmaras de Figueira da Foz e de Lisboa, e outros tantos, particularmente, nas funções de primeiro-ministro. É todavia uma figura com carisma político, no entanto, desgastada e sem qualquer novidade. A estratégia usada nesta sua candidatura em agremiar certos apoios e envolver quase todo o aparelho passista – um aparelho que, aliás, Rio ameaçou, porque, como se sabe, é um aparelho que prefere o status quodos lugares internos e das listas a uma vitória do partido (o caso de Hugo Soares é flagrante) –, foi o primeiro passo para a derrota: nem o PPDque sistematicamente referia o salvou.

As bases do partido foram claras quanto aos seus anseios: não queriam, em primeiro lugar, uma espécie de continuidade lightde Passos Coelho e de tudo o que o envolvia; e em segundo lugar, pretendiam o reencontro político-ideológico do tal “partido mais português de Portugal”. Claro que há excepções: o Observadorbem tenta reduzi-lo a um mero Bloco de Esquerda da direita.

O PSD da liderança de Pedro Passos Coelho sofreu uma crise de identidade a que a crise internacional e a intervenção externa não lhe são alheias. Um projecto claramente neoliberal que consubstanciou uma ultradireita – e atente-se não falamos aqui de extrema-direita – totalmente doutrinada e doutrinária provinda dos meios académicos e do estrangeiro. Um liberalismo que, no entanto, só virou à economia e aos negócios e relegou os costumes para as portas do fundo. O tal projecto social-democrata ficaria arrumado na gaveta...

Se depois do sucedido do Governo PS com o apoio parlamentar da(s) esquerda(s) Passos Coelho e a sua bancada se revelaram num PSD sem alternativa, quase numa indigestão permanente do sucedido, era flagrante a necessidade da mudança de líder partidário, e a deriva ideológica, o «desvio de direita» – usando uma expressão historiográfica ligada ao PCP ao tempo da oposição à ditadura –, era um facto mais que óbvio para que, além do líder, o partido se reencontra-se no sistema político português atendendo à actualidade política nacional e internacional. Não deixa de ser curioso como o PSD foi mais PPD (popular ou populista) no consulado de Passos e como fora entre 1974-8 o PPD mais PSD (social-democrata).

Rio seria claro no seu discurso de apresentação: “o PSD não é um partido de direita. É um partido que vai do centro-esquerda ao centro-direita”. Não podia estar mais de acordo. Quando, em 1974, os antigos elementos da Ala Liberal da ditadura se propuseram a criar um partido social-democrata em Portugal, juntamente com outros elementos, a base ideológica e programática plasmada nos seus aderentes era óbvia: um sector social-cristão, ligado à Igreja; um sector tecnocrático, da SEDES; e um sector republicano-liberal e social-democrata, provindo da oposição ao Estado Novo, nas figuras de Miguel Veiga, Nuno Rodrigues dos Santos, Acácio Gouveia, Magalhães Mota, Barbosa de Melo e tantos outros... Este seria o PPD ou PSD social-democrata, interclassista, não marxista, personalista, valorizador do trabalho, a favor da escola pública, entre tantas outras coisas (manifesto PPD. Partido Popular Democrático. O que somos e o que não somos, 1974) que, nos dias de hoje, se perderam.

Na verdade, o PSD está numa terra de ninguém, ou seja, não tem família política internacional – a tentativa de entrar na Internacional Socialista não passou disso mesmo, uma tentativa, o que marcaria, no meu entender, todo um regressismo ideológico do partido. No entanto, sou um daqueles que defende que o PSD não pode deixar de ser o partido de alternativa, social-democrata, à social-democracia ou socialismo democrático do PS. É um importante factor de equilíbrio político no nosso sistema dentro daquela área política e da sua vocação aos centros da esquerda e da direita. Deixemos o conservadorismo e o liberalismo com o CDS e com a Iniciativa Liberal (transformada em partido no ano que passou) e mostrar-nos-ão no próximo acto eleitoral o que valem aquelas ideias na sociedade portuguesa.

O certo é que Rio, se realmente quiser fazer aquilo que disse no seu discurso de apresentação à liderança do PSD, terá um longo e duro combate pela frente, com resistências internas e externas, mas não impossível. O reposicionamento político-ideológico do partido nos tempos que correm é um imperativo maior. A chave está no “Programa Godesberg”, de 1959, quando o SPD relegou o marxismo a favor de um reformismo. Miguel Veiga já o avisara muitos anos antes...

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