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01 FEV 2018
CARLOTA JOAQUINA,
A CARRAPATOSA SENHORA DAS ÍNFIMAS PERCENTAGENS
Por Jornal Abarca

Heidelberg Janeiro de 2007

 

É quase ao lado do famoso ulmeiro onde Goethe concebeu as suas escritas de juventude, com a velha cidadela universitária de Heidelberg lá em baixo, um primor a bordejar o sempre venerando rio prateado (mas frio) que, num paradoxo que ainda estou para explicar, acabo de ler a quinta biografia de Carlota Joaquina, rainha de Portugal e mulher de João VI. Com tanto frio, quem me mandou hoje, aqui para o alto, de dedos gelados, a desfiar tão confirmado e refinado detrito humano? Só por masoquismo…

Seja como for, foram cinco biografias, porque ao longo dos anos nunca quis acreditar no que li da primeira à terceira. Não era possível, deviam estar enganados… Mas a quarta e quinta despejam a cimitarra de Temístocles, confirmam não haver muitas esperanças cristãs de redenção humana nesta senhora. Só Dante se deu ao luxo de colocar pessoas concretas nas brasas infernais (e mesmo Mestre Papini duvidou que o Inferno venha a ser eterno), logo, não dou ninguém como irremediável.

Mais, helas, tant pis,agora não há muitas hipóteses de lembrar D. Carlota Joaquina de Bourbón (curioso, nasce em 25 de Abril… mas sosseguem, de 1775, vinte anos depois do terramoto de Lisboa, quem diria?)por bons motivos o que vai ser difícil, diga-se de passagem. Se apenas 25% das conjuras, ódios, frustrações, mentiras, calúnias, difamações e conspirações (incluindo envenenamento) contra quase todos e em especial o pobre do marido (a quem chamava abertamente o “chavelhudo”, o “poia de boi”, o “cara de cu à paisana” etc), enfim, se apenas essa dose de pesadelo fosse verdade, já seria muito, já seria único na monarquia portuguesa, Já seria demais.

Os biógrafos concordam ter sido ultra-ambiciosa, impiedosa, maquiavélica (mas não consta ter lido “O Príncipe”…); adorava o Poder, achava-se capaz de seguir os ledos passos de Cleópatra, Isabel a Católica, Isabel de Inglaterra, Catarina da Rússia, Maria Teresa de Áustria, Luísa de Gusmão etc; sempre quis dominar o marido e intrometer-se por direito próprio nas decisões políticas, nos temas de interesse público, nos assuntos internos do país.

E como não conseguiu, começou a envolver João VI no maior desprezo e ódio, fazendo do próprio lar um cenário infernal - os menores incidentes eram objeto de cenas telúricas, depois discutidas e comentadas saborosamente na corte e no corpo diplomático, um prato forte quase diário, uma pena não haver imprensa cor-de-rosa na época… O cenário de conjuras e conspirações continua no Rio de Janeiro, quando a família real e a corte fogem de Napoleão e partem para o Brasil, que Carlota Joaquina chama "terra de negros e carrapatos".Mas é ali que, devido à sua ascendência castelhana, tenta ser aclamada imperatriz da Argentina ou então do recém-formado Uruguai, e no último caso do Paraguai, Colômbia ou Peru. Como nada feito, range os dentes e a alma, passa a estudar secreta mas afincadamente a eficácia dos venenos brasileiros e equatoriais. Finda a ocupação napoleónica, regressa Portugal e tenta logo (1805) criar um partido político, tecendo uma conspiração em que assumiria o trono, declarando o marido como incapaz.

Descoberta a trama é exilada para Queluz onde, se diz, coleciona quem (nos dois sexos) lhe aqueça a cama; por hábito e pior costume insulta, vocifera, cospe no chão encerado, sempre no gozo onírico de provocar, de mostrar ser “imperialmente diferente”;diverte-se em usar um tipo de calão que faria corar muito almocreve analfabeto. Pior - desleixa a certa altura e por sistema, um mínimo de aspeto e higiene pessoal, deixando crescer um apreciável buço bigodal e capilosidades amazónicas nas axilas que exalavam os inevitáveis odores acre-cebolóides, já que nem sempre se lavava. Após a mulher de um diplomata francês em Lisboa, escrever numa carta para a irmã “parece uma macacóide de bigodes enfiados num fedor de saias”,a curiosidade espalha-se em Paris, chegando alguns editores locais a contratar desenhadores que viessem a Queluz retratá-la e depois imprimir litografias para venda ao público, que felizmente nunca nos chegaram. O povo é que nunca lhe perdoou, as alcunhas saltaram feitas pulgas anafadas em chavascal de cevados – “a bruxa de Queluz”, “a vampira dos regabofes”, “a puta dos bigodese outros epítetos que a moral democrática não pode aqui reproduzir.

D. João VI, os filhos e altos membros da corte já não a podem ver, tentam evitá-la e é então que rebenta um mini-maxi-escândalo prontamente abafado sem êxito - que a última filha do real casal - D. Ana de Jesus -, tivera como pai, o embaixador da Inglaterra no Brasil. Mas com a sua fraca personalidade, João VI na verdade tem medo dela e do que está sempre a urdir. A última foi quando se alia ao filho D. Miguel e aos absolutistas contra o marido, o outro filho, D. Pedro e os liberais, a guerra civil bem sangrenta que nos dilacerou. .

Custa afirmá-lo mas pode dizer-se que Portugal e a família real só sossegaram quando morre em Queluz em 1830, ainda que reste saber ao certo se não envenenou mesmo o marido pondo arsénico nas laranjas que D.João VI adorava, como uma análise forense recente terá demonstrado.

Por mim, resta-me concluir que em toda a monarquia portuguesa não houve figura que se assemelhasse. Como Oliveira Martins disse “uma mulher para quem não havia extremos, nem moral, nem, dignidade”.

Que ao menos não desista de descansar em paz entre as paredes de S. Vicente de Fora. Deixe-se estar sossegadinha, real senhora.

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