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01 MAR 2018
HAWAII - AS 11 DONZELAS AÇORIANAS
Por Jornal Abarca

Honolulu, Havaí, Julho de 1998

Saberão vossências que é a terceira vez que aqui venho, uma para cada ilha onde me concedi alvíssaras de meter o nariz (Hawaii, Mauie O´ahu) - as demais talvez um dia; de momento estas 3 justificam (em cheio) quanto chamariz pressupus encontrar, a D. Sorte sorriu-me. Vossências desculparão a ousadia, mas atrevo-me a enviar mentalmente uma saudação de dois “parceiros” onomásticos, Alexandre Magno e Alexandre Herculano. Ambos diziam e usavam fortuna audaces juvat,a sorte ajuda quem ousa.Tive realmente muita sorte, eis tudo. Mas, assim de chofre, vossências certamente não percebem porquê. Vamos então por exclusão de partes, shall we?

* Não foi por conta de turismos de pacotilhaque por aqui se divertem a desfiar a procissão aos ombros sexagenários ianques, sino-nipónicos, filipinos, canadianos, todos de reformadas e brancas cabeças, a esses digo farewellpor conta do meu ceticismo avinagrado - são prova provada. Duvidam?

- logo à chegada a Honolulu, mal se sai do avião ou navio, o ondular do hula-hulade receção sorridente dos quadris das jovens dos Alohasaté é simpático - mas os colares de flores que nos enfiam ao pescoço, imitam o plástico à perfeição, todos meidínexáina ófikórze;

- e, mal desaparecido o magote de idosos, as jovens correm a tirar o sarong,como têm shorts por baixo, é fácil colocá-lo numa bolsa, apanhar o capacete e largar de moto para a próxima turistada, horários são horários mas lá se vai a poesia desflorida (detesto a palavra “desflorada”, Júlio Dinis fez o mesmo);

- mesmo em áreas insuspeitas, em Mauiimpera um Satã informático, ainda que em figurativa imagem: quem testa logo às primeiras, o incauto mas excitado paladar e faz downloadingde iguarias do pacote turístico obrigatório de restaurantes mais em conta, provavelmente está a “instalar” rocinante e desarvorado “Cavalo de Tróia”intestinal que desagua em esguichada e desidratante diarreia, SOS, room service, água mineral com gás, chá e torradas para dois, onegaishimasu?, por favor?, please?;

- entrar nas águas de baía mais recatada deO´ahue mergulhar na tentação de afagar os olhos pelos recifes e miríades de peixinhos tropicais (digno de Monet) bem como dulcificar a miragem de desnudas sereias venusianas (digno de Gaugin), a antecipar mentalmente que talvez na intimidade do quarto, se dissipasse finalmente, a renitente disfunção eréctil… Muito chato bem sei, mas ouvi quem me confidenciou ter amaldiçoado o onírico sonho quando levou com o ferro em brasa de um peixe-aranha oculto nas areias e a quem esse alguém pisou. A aranhada arruinou-lhe as férias, os seguros de saúde e, ó céus, ó deuses!, desceu-lhe pessoalmente a graduação de disfunçãopara desilusão é a conclusão.

* Não foi também por conta do fascínio de crateras de vulcões, sem mais nada para fazer do que derreterem décadas a fio, magmas em marmelada de 1000 e não sei quantos graus, devoram aqui e ali mais umas igrejas, casas e armazéns; palitam o desfastio ao cortar mais uns quilómetros de estradas e macadames para depois hibernarem, consoladas debaixo de falsos penedos, em beatífica hibernação.

Não, nada disso! Saio daqui com a sensação de quanto é grande ser pequeno; como é “enorme a nossa pequenez”,de quanto, com o ar mais simples, natural e quase escritural do mundo, me chegou e chega aqui de Portugal.

Tudo começou quando procurei em Honolulu nas livrarias, obras sobre emigração e emigrantes e tive a sorte de me recomendarem os arquivos da Hawaii Island Portuguese Chamber of Commerce e do pároco da IgrejaNossa Senhora da Paz (Our Lady of Peace). Consegui ainda falar com alguns descendentes diretos e de 3ª e 4ª gerações. E concluo que se passou aqui, decerta forma, uma repetição do Brasil, Guiana e Venezuela - vagas sucessivas de emigrantes para trabalhar na agricultura por haver falta de mão-de-obra e sofrerem fome e grande grau de pobreza em Portugal. No caso do Havaí, vieram arregaçar as mangas nas plantações de cana de açucar e plantações de ananás. Começaram a chegar por volta de 1850 a 1878, vindos da Madeira e dos Açores. Ao contrário dos asiáticos, trouxeram sempre as famílias, ao ponto de serem quase 20 milpor volta de 1913/1914, ainda que fosse uma senhora viagem - entre 2 a 6 meses, primeiro, a atravessar o Atlântico, descer toda a costa da América do Sul, contornar o sempre complicado Cape Horne depois, subir toda a costa sul-americana do Pacífico, até ao arquipélago, local de chegada. Foi normal que ao fim de um ou dois anos de trabalho afincado, passarem de trabalhadores braçais a capatazes, comprarem ou arrendarem depois talhões de terra e terem as próprias plantações. E daí a pequenos estabelecimentos comerciais, como é típico da nossa emigração. Heranças portuguesas, há as que são de esperar: o catolicismo (mais tarde reforçado pela chegada de emigrantes filipinos); a braguinhaou cavaquinho (chamado no Havaí de ukulele); galos de Barcelos na versão super-florida deMauí; a salsicha portuguesa (portuguese sausage), enchido apimentado de carne de porco; bem como palavras incorporadas no dialeto local, -Deazeti stays  good to cook, o azeite é bom para cozinhar, Tomorroy we stay all to the ´greja- amanhã vamos todos à igreja, etc. Encontram-se ainda alguns termos que tendem a cair em desuso -´bandera(bandeira), bal´t(balde), went´nia(ventania), ´kalo(galo), ´kalina(galinha),´tcháda (enxada), etc.

Mas este é o momento de mencionar um episódio único - As 11 Noivas Açorianas.

Em 1864, porque havia falta de mulheres portuguesas, alguns açorianos e madeirenses já a trabalhar no Havaí, contrataram os serviços de um conterrâneo, um açoriano-americano, Joseph Seabury(ou José Furtado Silveira) que tratou de conseguir noivas dos Açores, trazendo em 1858 ou 1860 o dinheiro para as passagens e contatando as candidatas e os respetivos pais.

11 jovens açorianas na média dos 20 anos de idade foram escolhidas como “noivas” (mas sem conhecerem pessoalmente os futuros maridos!) e foram acompanhadas por duas outras mulheres casadas - uma a servir de chaperonee outra recém-casada que ia ter com o marido. Não se sabe ao certo se houve também outros pagamentos de “compensações financeiras” aos pais e à família (o que se aproximaria de uma venda pura e simples) mas, no mínimo, verdade nua e crua, era menos uma boca a alimentar. A viagem não correu bem porqueJoseph Seaburyadoeceu gravemente, teve de sair do navio em S. Francisco para ser internadol. De qualquer forma, o navio chega ao Havaí a 8 de Setembro de 1865. Muitas das “noivas” casaram pouco depois de terem desembarcado (todas na Igreja de Nossa Senhora da Paz, Our Lady of Peace) e houve até uma - Maria Francisca de Avilar– no próprio dia da chegada! Casar com um homem que nunca tinham visto antes, longe dos pais e da família, embora falassem a mesma língua, não deixa de dar uma nota de pioneirismo inédito, tanto mais que naqueles tempos difíceis, provavelmente nunca mais regressariam à terra natal. A necessidade pode muito. Dos nomes e origens dos nubentes (conforme o livro de assentos da igreja) nota-se que a maioria dos noivos era da ilha do Pico e as noivas das ilhas de S. Jorge e do Faial. Caso interessante, o de Justina Rosa, uma sortuda - natural de S. Jorge, casou com José Teixeira Machado Lopestambém de S. Jorge, o que leva a deduzir que estes pelo menos já se conheciam, nem que fosse de vista.

Sim, recordo também a placa da Sagresaos marinheiros de Pearl Harbour. E ficou-me a bailar cá por dentro, uma certeza - o que deve haver ainda de portuguesismos no Havaí, faria feliz qualquer português, digno desse nome.

E a que vossências, por certo, pertencem.

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