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01 JUL 2018
A História como arma de fazer política (Parte 3)
Por Jornal Abarca

No entanto, e apesar do insucesso da Revolta do Porto, os resultados eleitorais de 1894 são favoráveis e animam a conducente organização do partido, iniciativa dos republicanos do Porto e Coimbra à semelhança de 1883. A continuação da obra do velho José Falcão tem o seu início em Janeiro de 1895 com a eleição da comissão municipal republicana do Porto e embebe força, certamente, no 6.º congresso do PRP (marcado para os dias 2 e 3 de Março). Até ao verão desse ano vão-se registando dezenas de eleições de comissões municipais.

É certo que a partir da Lei Eleitoral de 1895, um pouco como em todo o país, as estruturas do PRP iam definhando numa apatia crónica... No entanto, foi necessário cessar o abstencionismo eleitoral do partido – que vinha ocorrendo desde 1897 – e pensar a sua reorganização para que os republicanos reanimassem. O resultado das eleições de 1900, com a eleição de três deputados pelo Porto, e o congresso de 1902 (5 e 6 de Janeiro), em que o Directório de cinco dirigentes é transformado num de três descentralizado em três juntas directoras (Porto, Coimbra e Lisboa), são factores relevantes para a saída da decadência em que o partido se encontrava nos proémios do século XX. É verdade igualmente que os quadros do PRP eram outros. A nova geração procedente do Ultimatum, a estudantada de Coimbra, organizada no Grupo Republicano de Estudos Sociais (1896), tomaria progressivamente o controlo do partido, a partir de 1900, à orientação moderada «oportunista» que vinha advogando a luta contra o regime apenas pela denuncia dos esquemas e corrupção.

Seja como for, houve uma animação na mudança organizativa engendrada no congresso de 1902, porém, o malogro dessa iniciativa incentivou novamente os apelos para a reorganização do partido que resultaram não apenas dos esforços internos como da conjuntura de então. Os republicanos souberam aproveitar todos esses momentos, em particular a crise político-partidária que grassou nos partidos dinásticos a partir de 1901: nesse ano, João Franco disside do Partido Regenerador e funda o Partido Regenerador-Liberal; em 1903, Jaime Cândido e os condes de Bertiandos e Samodães protagonizam mais uma dissidência no campo regenerador, fundando o Partido Nacionalista; do outro lado, em 1905, José Maria de Alpoim, entrando em ruptura com José Luciano de Castro, organiza a Dissidência Progressista que irá, mais tarde, conspirar e alinhar ao lado do PRP.

Ora, o conjunto de todos estes factores, a que se junta a lei repressiva de 13 de Fevereiro de 1896, os escândalos financeiros e morais, a questão dos adiantamentos à Coroa e o contracto dos tabacos, justifica a complexidade eleitoral, mas também potencia o crescimento do militantismo republicano e dos choques entre as franjas dos impotentes regeneradores e progressistas contra os franquistas.

Continua, entretanto, RR a renegar com veemência o arcaísmo da monarquia. Dá como justificação – mais uma, é verdade – para o fim de D. Carlos a quase obrigatoriedade que tinha ele de exercer a rotatividade do poder, porque o povo português, analfabeto, não gozava de capacidades para o assumir eleitoralmente. Mas não é o analfabetismo, um dos maiores calcanhares de Aquiles da sociedade portuguesa no dealbar de XX, que prova a impotência do regime?

Conclui-se que RR dispara sobre tudo e todos para justificar o regicídio e o fim da monarquia: o regicídio nos políticos da monarquia (republicanos, monárquicos e monárquicos que conspirariam com os republicanos) e o fim da monarquia com a mulher e filho de D. Carlos, D. Amélia e D. Manuel II. Lamenta ainda que o liberalismo «minara os alicerces tradicionais da monarquia» (cit. RR), trazendo novamente para a ribalta o carro velho do absolutismo e as suas virtudes.

Concordo quando RR diz que a monarquia caiu sem grande resistência. Caiu, pois, de tão podre que estava, e isso justifica perfeitamente o quanto arcaico era o regime.

A conclusão de RR, de «que a morte de D. Carlos abriu o caminho para o autoritarismo em Portugal», é perfeitamente esclarecedora daquilo ao que vem: fazer História como arma de fazer política.

Fazer História sem ideia é como um corpo despido de tudo. Mas fazer História para vingar uma ideia, custe o que custar, é como ter esse mesmo corpo, despido, só que em pedaços por forma a fazer dele arma de arremesso.

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