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01 JUN 2018
Apagar a História
Por Jornal Abarca

A História é o relato do passado.

O presente já é passado e o futuro ainda não chegou.

Assim, a memória que temos é do passado, da história que vivemos. Da que ainda iremos viver não existe memória, porque ainda não aconteceu.

Todos somos produto da nossa história pessoal: onde nascemos, onde crescemos, onde aprendemos, onde vivemos, o que fizemos, factos bons e maus que nos ligam ao passado.

Por razões que se prendem com a falta do registo dos acontecimentos, acontece que muitas vezes existe apenas a memória humana que, além de não durar para sempre, também está sujeita a falhas e nem sempre consegue transmitir, com exactidão, o que se passou. E o que passou é também a memória colectiva que origina a identidade e a cultura de um povo.

Se nasci português é natural que me identifique como português, mesmo que, por qualquer razão, tenha que adoptar outra nacionalidade. O local do nascimento é o primeiro traço histórico de cada um de nós, cria também os primeiros laços de afectividade, para além da família, aqueles que residem ou nasceram no mesmo local, os vizinhos. Depois temos os colegas de escola, de aprendizagem profissional, seja ela qual for, dos colegas de trabalho, dos amigos com quem passamos os tempos livres, do clube desportivo que elegemos como nosso, eventualmente do partido político com o qual nos sentimos ideologicamente irmanados para preparar o futuro do país ou da região onde vivemos. O homem é assim uma mistura de “passados” que fazem dele aquilo que é.

Perder uma dessas nossas memórias é perder um pouco de nós, é, no limite, perder a identidade que, infelizmente, como doença é das mais dolorosas psicologicamente, para o próprio e para os seus próximos. Quem não conhece pessoas que, devido a essa terrível doença, estão perdidas no mundo sem saberem quem são, onde estão, quem os rodeia, a despersonalização total!

Pois não nos bastava essa doença para apagar a história de cada um que dela sofre, há ainda quem se preocupe com pegar na esponja e apagar algo que nos resta de pessoal, de familiar, de comunitário, só porque, por desconhecimento ou por intenção maléfica, entendem que a história começa quando nasceram e termina quando morrerem! Assim, apagam nomes, acontecimentos, testemunhos do passado com o qual nada têm que ver, mas que é necessário apagar para que só o nome deles e os factos e acontecimentos por eles vividos interessem para a narrativa histórica. Creio acreditar que, algumas vezes, é o desconhecimento, é a insensibilidade, mas, algumas outras vezes, é a pura vaidade, inveja, maldade, que levam a pegar na esponja e apagar “o quadro” das nossas vivências, única realidade que conhecemos!

Vem tudo isto a propósito da “alteração” de factos, lugares e acontecimentos a que estamos ligados.

Nasci no lugar do Casal de Milha, em Mouriscas, concelho de Abrantes, distrito de Santarém e, portanto, Ribatejano, com influências beirãs e alentejanas, e Português de gema!

Quiseram as entidades que nos governam local e “regionalmente” que Mouriscas, freguesia rural por excelência, típica do povoamento disperso, fosse “urbanizada” para consumo de uma empresa, agora privada, essencial à vida da comunidade que, na avidez do lucro à custa do “povo”, exige que se altere o que sempre foi como foi.

Assim, sem mais nem menos, perdi o meu lugar de nascimento: o Casal da Milha foi apagado e foi substituído pelo nome que dizem, de uma rua que nada diz a quem lá nasceu, cresceu e se fez homem!

Infelizmente, não sou o único que viu a sua história mudar, ser apagada, somos muitos o que, diga-se a verdade, não é consolação, antes pelo contrário! Senhores autarcas, não mudem a História; os Senhores são eleitos para melhorar a qualidade de vida de cada um de nós e não para a “infernizar”!

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