De repente, no facebook, apareceu a ruína. Apenas como uma ruína. Um resto duma casa velha.
De repente, diante dos meus olhos, o que sobejou do mundo medievo onde nasci.
Eu nasci naquela casa. Eu, a minha mãe, os meus tios, a minha prima. Quando aquela casa existia e fervilhava de vida.
Não morrerá nunca aquela casa, embora a considerem uma ruína, um resto. Não morrerá porque vive na minha lembrança. Meu avô, de fato completo, nas manhãs cinzentas, a ler “O Primeiro de Janeiro” pelos óculos de aros d’ouro, a Tia a aquecer o ferro de frizar para lhe retorcer os bigodes pontudos, o criado atrás, como uma estátua.....− ó Carlos vira o quadro! E o criado a obedecer em silêncio. Virava o quadro, que dum lado tinha uma foto de Estaline e do outro um Cristo, consoante a pessoa que se aproximava e o avô avistara pela janela sobre a estrada.
E o ruído constante do rio no açude.
Para sempre na minha memória mais remota o cantar das mós, o respigar do rio...
Alguns pintores por lá estiveram temporadas a pintar aquela paisagem de excelência.
O tempo quebrou a casa, no moinho nunca mais soou o tilitar da mó alveira em final de tarefa, nem os fantasmas que arreliavam o avô com brincadeiras tolas resistiram... nada mais há. Mas é ali que eu continuo a jogar à bola, a andar velozmente de triciclo, a ouvir as histórias heróicas que o Carlos nos contava do D. Caio e de D. Afonso Henriques como se fossem seus amigos íntimos.
O rio a saltar o açude... as mós a cantarem baixinho...
Minha mãe, minha mãe!
Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
Do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
Cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
Suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
Dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
E a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
Como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!...
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
Vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
Eu balbuciava a minha infantil oração,
Pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
Que mandasse um alívio a cada sofrimento,
Que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
Pelos mortos no horror da terra negra e fria,
Por todas as paixões e por todas as mágoas...
Pelos míseros que entre os uivos das procelas
Vão em noite sem Lua e num barco sem velas
Errantes através do turbilhão das águas.
O meu coração puro, imaculado e santo
Ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
Para toda a nudez um pano do seu manto,
Para toda a miséria o orvalho do seu pranto
E para todo o crime a seu perdão de Pai!...
Guerra Junqueiro 1850 -1923