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01 JUN 2018
Cheira mal
Por Jornal Abarca

Na terra onde eu vivo aprendemos a conviver naturalmente com o mau-cheiro. O caos deixou de ser caso e tornou-se normal. Toda a gente sabe que existe, toda a gente sussurra que algo tem de mudar, mas ninguém quer ser parte da solução de um problema que é de todos. Ainda há dias alguém me confidenciava: “O que é que posso fazer? Nem à vigília [em Setembro, contra os maus-cheiros] pude ir senão viam-me lá”. O jogo está viciado.

Ninguém, salvo seja. Um grupo de cidadãos corajosos criou em Setembro o Movimento pela Saúde de Alcanena (MSA) e vai gritando, como pode, por melhores condições ambientais nesta terra.

Ironia das ironias, nesta terra onde não se respira ar puro de qualidade, onde é impossível ter as janelas abertas à noite sem que o odor nauseabundo nos invada as casas e os carros, onde os estores adormecem brancos e acordam negros, nesta terra onde se exibe com orgulho o rótulo de “Capital da Pele” mas se tenta soprar para o lado a face negra desse título, realizou-se em Maio mais uma edição do Festival da Biodiversidade.

Entre sorrisos e flashes, lá se festejou o ambiente junto à nascente do rio Alviela, o mesmo que há poucos meses apareceu poluído, com as águas negras e pestilentas, sem que a culpa fosse apurada. Mas apurar responsabilidades para quê se as fotografias que enchem o facebook de likes ainda não transmitem odor? E neste país, como se sabe, o que importa é ficar bem na fotografia.

Alcanena promove um festival que visa celebrar o ambiente, é como ver José Sócrates dar uma aula sobre como combater a corrupção. Vão os amigos, vão os que estão comprometidos, batem palmas e tiram fotografias para não desagradar ao “camarada” mas toda a gente sabe que aquilo é uma fantasia sem sentido.

Em Outubro, na sua tomada de posse, a Presidente da autarquia promoveu um discurso cavaquista, mais direccionado nas preocupações – legítimas – que os outros levantaram do que naquilo que a levou a ser reeleita. Sugeriu que o MSA existia por motivações políticas e chamou a si a responsabilidade do pelouro do ambiente. No mesmo discurso anunciou a criação de duas entidades técnico-científicas, o Conselho Estratégico Municipal e um Observatório Ambiental, com o objectivo de minimizar os problemas levantados pelo MSA e há muito conhecidos pelos habitantes do concelho. Passaram oito meses desde esse discurso pseudo-revolucionário e os problemas continuam exactamente os mesmos.

Nove anos depois de tomar posse, este executivo continua a olhar para o mais grave problema do concelho como se nada fosse com ele. Aliás, celebra-se a biodiversidade em Alcanena como se fossemos bastiões de algo que só existe na imaginação dos gabinetes da Praça 8 de Maio.

Como diz o povo: “Com papas e bolos é que se enganam os tolos”. O que é grave é que no final disto tudo os alcanenenses é que ficarão cá com o problema à frente do nariz. Enquanto alguns se entretêm com selfies na Batalha, a verdadeira batalha tem de ser travada pelos que sofrem com isto. Já cheira mal demais.

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