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01 AGO 2018
Um golpe genial, para "inglês ver..."
Por Jornal Abarca

“Territórios de baixa densidade”. Confesso que só há pouco tempo, depois de utilizar por várias vezes o conceito é que dei comigo a pensar na designação com que (quem? E porquê?) foi decidido passar a designar uma boa parte dos territórios do interior de Portugal.

O confronto com o conceito deu-se quando pretendi “trabalhar” com ele. A questão era simples: estando nós num “território de baixa densidade” em que medida é que o facto de sabermos isso nos ajuda a reverter o estado de coisas que década após década vem fulminando o território?

E a conclusão foi uma surpresa. Afinal o conceito, substantivamente utilizado, não serve para nada. Pouco ou nada se consegue fazer com ele, para além de uma identificação de um conjunto de regiões portuguesas em que os problemas são mais ou menos comuns.

O que são territórios de baixa densidade,. sem eufemismos, sem subterfúgios e sem nuances semânticas? Sabe-se com alguma clareza o que são?

Quem vive nos tais territórios de baixa densidade e se interessa pelas dinâmicas do território (aquilo que acontece e o que não acontece) julga saber que sim: a pobreza, o desemprego, a falta de oportunidades, o desinvestimento, as baixas qualificações, a desertificação de largas faixas territoriais, mercados atípicos, conservadorismo social, aversão ao risco, compadrio e amiguismo, etc.

Quem parece andar à deriva com o conceito é quem o criou, a burocracia. Como se reconhecia numa Deliberação da Comissão de Coordenação Interministerial de Coordenação (CIC2020), assinada pelo seu coordenador, Manuel Castro e Almeida onde se postulava: “Não existe uma classificação legal única para o conceito de Município de baixa densidade. Têm vindo a ser adoptados diferentes critérios, centrados ora na densidade populacional, ora no rendimento per capita de cada Concelho ou da NUTS 3 a que o Concelho pertence. Para efeitos da regulamentação do Portugal 2020 adopta-se uma abordagem multicritério que considera a densidade populacional, a demografia, o povoamento, as características físicas do território, as características socioeconómicas e acessibilidades.

Helá! Então a burocracia decidiu que o interior de Portugal passa a designar-se por “territórios de baixa densidade” e não se sabe bem porquê?

A utilização do conceito de “territórios de baixa densidade” foi um golpe de génio. Disso não se tenha qualquer dúvida. Com a sua utilização, a realidade da pobreza dos territórios e o seu declínios são mascaradas e afirma-se a ideia de que alguém está a fazer alguma coisa para inverter a situação. 

A expressão em si, não significa rigorosamente nada. Ou pelo menos, não quer dizer rigorosamente nada. A genialidade esteve em usar o adjectivo “baixa”, que neste contexto remete para uma situação que não é normal.

Dir-se-á: trata-se de uma convenção e como tal não necessita de significar algo mais do que significar-se a si própria! Brilhante!

Perante um tal estado de coisas, apetece perguntar: mas para que serve esta ideia que com base em critérios de riqueza, afinal só se aplica a regiões pobres ou muito pobres de Portugal? E que se revela na prática incapaz de inverter a situação que década após década só tende a piorar?

Aparentemente a burocracia achou que criando um conceito inócuo, ao qual se associavam uns poucos (e ineficazes, como se tem constatado!) benefícios, o problema de uma potencial revolta (que já deveria ter acontecido, face ao estado calamitoso, a vários títulos, dos territórios do interior) dos povos do Portugal empobrecido, estaria solucionado no curto e médio-prazo. E até certo ponto, tinham razão. A ilusão de que com este conceito alguma coisa ia mudar, fez o seu caminho e é ver hoje o conceito de “territórios de baixa densidade” a ser utilizado por tudo e por nada, sem que daí saia realmente alguma coisa de útil.

Os territórios, em acentuado declínio, do interior de Portugal, necessitam, de facto, de um conceito que os identifique. E a partir do qual sejam tomadas decisões que ajudam a reverter o estado calamitoso em que se encontram as regiões. Os territórios necessitam de medidas concretas e não de conceitos vagos, para “inglês ver”. Para quando?

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