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10 FEV 2019
"As Maiores do Ribatejo"
Por Jornal Abarca
Em Amiais de Baixo todos os anos a vila pára para viver as festas da terra. Cerca de dois mil habitantes juntam-se para celebrar o amor à terra. O cartaz musical inveja as maiores cidades da região. Orgulhosamente assumem as festas como “as maiores do Ribatejo” e já deu direito a recorde do Guiness...
 
A nascente do rio Alviela separa o concelho de Alcanena da vila de Amiais de Baixo e faz nascer, além das águas da praia fluvial dos Olhos de Água, uma forma de viver muito singular das gentes de Amiais, que tem até um sotaque próprio.
 
Nuno Torres Santos, 42 anos, escrivão da festa deste ano, explica que “a primeira grande diferença é que estas festas são no inverno”, o que destoa da maioria das festas populares. Isso acontece porque a terra tem uma grande tradição nas indústrias da serração e da cerâmica e “os trabalhadores estavam meses fora” regressando no Natal e na Páscoa. Na obra “Festa em Amiais de Baixo”, da autoria de Natércia da Branca, habitante da vila, é referido que ao “princípio a festa se realizava a 20 de Janeiro, dia de São Sebastião, passando mais tarde a fazer-se em Domingo Magro” porque a festa “se realizava muito pouco tempo depois do Natal, e muito longe do dia de Carnaval, que os serradores gostariam de vir passar a casa”. É, portanto, desde a sua raiz, uma festa religiosa mas, também, uma festa do povo. Sobretudo, sublinha Nuno, uma festa para o povo: “Nós fazemos a festa para a população e a satisfação deles é a nossa maior recompensa”, esclarece. O juiz, Nelson Martins, empresário industrial de 43 anos, assume que “o espírito é diferente” pois as festas “são o nosso retrato lá para a fora”. A união popular faz a diferença assumindo que “para a festa não pode faltar nada”.
 
 
As tradições e o Guiness
São inúmeras as tradições que a festa em honra do Mártir São Sebastião envolve, muitas delas de ordem religiosa, outras de cariz popular.
 
André Henriques, engenheiro civil e tesoureiro desta edição, conta a história da procissão: “A imagem de São Miguel, que está sempre no cemitério, sai no sábado da festa e regressa na segunda-feira. Nesses dias está junto à imagem de Nossa Senhora da Graça na Igreja”. Esta tradição é uma metáfora para a vida das pessoas de Amiais de Baixo que passavam muitos meses fora em trabalho mas nestes dias reuniam-se com a família na terra. “Quando o Santo se despede da Santa à porta do cemitério é muito emotivo. Faz-se um silêncio forte, e há quem chore”, conta Nuno. “Há pessoas que cumprem promessas, algumas descalças”, acrescenta Nelson. “Antigamente havia leilões para se decidir quem carregava os andores! As pessoas pagavam muito por isso”, explica simbolizando assim a importância da fé para a população. Apesar de a folia ganhar espaço perante a espiritualidade, Nuno lembra que “há a preocupação de não deixar morrer estas tradições”.
 
Oficialmente é nesse sábado que a festa começa respeitando a tradição católica. A vertente pagã dos festejos faz com que a folia comece antes: “Todos os anos a festa abre com a chegada da banda” que tem “centenas de pessoas à sua espera”. A banda deve então “percorrer as ruas da aldeia, tocando uma música alegre, sempre acompanhada pelo estalar dos foguetes que os festeiros levam às costas”, escreve Natércia da Branca.
 
Nos cinco dias que duram os festejos as pessoas saem à rua, vaidosas e orgulhosas da terra onde nasceram. “Nos dias da festa estreia-se roupa, a partir daí é que se usa a roupa nova”, conta Nelson. Outras tradições são passadas de geração em geração: “Os miúdos não vão à escola”, garante. Se houver testes vão apenas fazer a prova “mas tentamos sempre que os professores não marquem para esta altura”. A indústria na terra pára: “Nos dias das festas as empresas em Amiais fecham”. André conta que durante os seus trinta anos de vida apenas trabalhou uma vez, numa terça-feira das festas, quando trabalhava no Porto: “De resto consegui sempre tirar férias”, refere.
 
Na procissão de domingo os festeiros fazem-se acompanhar de crianças. “Há pessoas que não são festeiras, mas fazem questão que os filhos vão” e entregam-nos para irem com quem é festeiro, diz Nelson. Apesar da veia pagã, a raiz religiosa está ainda muito marcada nos festejos. Na procissão a Santa veste “fatos que são oferenda da população”, mudando de roupa de ano para ano.
 
Contudo, apesar do cartaz grandioso que anualmente apresentam, o ex-líbris dos festejos é o fogo de artifício lançado no sábado, mas preparado antecipadamente. Graças ao feriado do 1º de Novembro, antigamente “essa era a data em que muitas pessoas vinham à terra e aproveitava-se para experimentar os foguetes”, um espectáculo ainda bastante rudimentar comparando com aquilo a que se assiste hoje. Nelson prossegue: “A partir aí de 2000 começou-se a fazer uma amostra do fogo de artifício”. Actualmente, o fogo de artifício das festas de Amiais de Baixo é conhecido por ser “um dos maiores da região”, levando centenas de pessoas a deslocarem-se à vila na última noite dos festejos para ver o espectáculo de cor e fogo a rebentar no negro do céu.
 
A vontade popular de fazer das festas uma espécie de monumento de Amiais de Baixo já levou a que o livro de recordes do Guiness registasse o nome da terra. A procissão de segunda-feira à noite é feita com archotes, uma espécie de tocha, a iluminar o caminho. Em 2010 a Comissão de Festas teve a ideia de marcar o cortejo como um recorde mundial e concluíram que a maior procissão de archotes do mundo era de uma localidade na Suécia com 407 pessoas numa milha terrestre (1620 metros). Mais uma vez, a população arregaçou as mangas e uniu-se para mostrar ao mundo a força de Amiais de Baixo: assim, foi com naturalidade que Mariamarta Ruano-Graham, inspectora do Guinness World Records presente em Amiais de Baixo, confirmou o novo recorde, com 624 pessoas na procissão empunhando archotes, revelando-se na altura “surpreendida” com a capacidade de organização das festas. Uma surpresa apenas para quem não conhece o povo amiense.
 
O orgulho nas festas é tal que há até listas de inscrição para se ser juiz. “Neste momento as festas já têm juiz até 2035”, informa Nelson. Esta manifestação popular “é uma questão de honra” para quem nasce em Amiais.
 
A entrega da bandeira à nova comissão é feita na segunda-feira das festas, em casa do juiz, entre comes e bebes: “É nesta altura que o juiz velho entrega a bandeira e a sua capa ao novo juiz”, procedimento repetido pelos festeiros. Segundo o trabalho realizado por Natércia da Branca, “o encerramento oficial da festa é na terça-feira à noite, com a despedida da banda, que antes de se ir embora faz um determinado percurso pela aldeia” que inclui passagens pela casa do juiz, pelo cemitério e uma paragem na saída da terra onde se “deitam muitos foguetes” e a banda segue o seu caminho. “As pessoas voltam para trás. Foi mais uma festa que passou. No dia seguinte recomeça o trabalho”, sentencia o testemunho de Natércia.
 
 
“Perguntaram-me se ia fazer o NOS Alive”
A interrogação surgiu, em tom de brincadeira, por parte de um dos empresários que Nelson Martins contactou para apoiar as festas. Porque “a fasquia está alta, ninguém quer ficar atrás” dos antecessores, explica. O cartaz deste ano apresenta sucessivamente, entre 22 e 25 de Fevereiro, The Gift, Ana Moura, Tim e Toy. Tim, vocalista dos Xutos e Pontapés, actuará em conjunto com a Orquestra Filarmónica 12 de Abril de Travassô, Águeda, que há largos anos é a “banda oficial” das festas. 
 
Falamos, portanto, de um cartaz com quatro artistas nacionais, que fazem com que Amiais de Baixo tenha uma oferta musical superior às festas de muitas cidades do país. Nuno Torres Santos explica que isso começou porque “tentava-se trazer às pessoas o que não havia”, numa altura em que os artistas não iam com tanta facilidade a pequenas localidades. “O concerto da Lena d’Água, na década de 80, foi uma loucura”, lembra. Marco Paulo, Jorge Palma, Quim Barreiros, António Zambujo, Áurea ou, noutros tempos, Carlos Paião, Tonicha, Rui Veloso ou Fafá de Belém são alguns dos muitos artistas consagrados que já actuaram em Amiais de Baixo.
 
Nelson Martins explica que “a festa tem logo 80 mil euros em custos fixos para a banda filarmónica, fogo de artifício, prémios das rifas, iluminação de rua… isto tem que existir sempre, a decisão dos artistas tem que ver com as verbas que sobejam”. Que artes mágicas fazem, então, com que uma localidade com dois mil habitantes consiga erguer umas festas de tamanha envergadura? O financiamento vem, sobretudo, do apoio empresarial, das iniciativas que se realizam durante o ano e da venda de rifas em que “cada festeiro tem a responsabilidade de arranjar mil euros”. Este ano, por exemplo, há sessenta festeiros. É, por isso, com naturalidade os números que apresentam: “No sábado recebemos no recinto cerca de 3500 pessoas”, um número mínimo pois a contagem não é precisa.
 
Se por esta altura o leitor ficou interessado em visitar as festas de Amiais de Baixo, não se preocupe se será bem recebido. “As pessoas põem a mesa com comida para os visitantes e abrem as portas a pessoas que não conhecem de lado nenhum”, conta Nelson. E vai mais longe: “Há pessoas daqui que moram mais afastadas e alugam casas no centro da terra para poderem servir quem aparece”.
 
Tudo isto exige muito tempo e uma dedicação sem limites aqueles que se envolvem na organização: “o primeiro dia das festas é o último dia do ano anterior”, diz Nelson. “Dá muito trabalho, são muitas horas… mas é um orgulho honrar a bandeira”, conclui.
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