O registo dos La Fontinha é a música popular?
JCL - Não… é de inspiração tradicional, mas também bebe inspiração em compositores de referência do universo musical português, latino, brasileiro…
CF - Tocamos a música que gostamos!
Os La Fontinha são um reavivar do Cancioneiro [grupo do qual João Carlos e Mário fizeram parte na década de 70/80]?
MR - Em parte é, mas a situação não tem nada a ver. São 40 anos de diferença.
Mas ainda se pode intervir a cantar?
MO - Deve!
Ainda há inquietação [título da canção de José Mário Branco, ensaiada momentos antes]?
[risos]… JPV - O que vai provar se há inquietação é se a sala encher no dia do espectáculo!
Tiveram uma boa resposta no dia 28 de Dezembro [concerto de homenagem a Zeca Afonso]?
Sim! [em coro]
JCL - Foi das coisas mais bonitas que já vivemos… num certo sentido somos todos filhos do Zeca. A música dele foi tão estruturante nas nossas vidas que a poesia, a mensagem e até o modo de ser dele é uma inspiração e uma referência de vida, não só musical. O Zeca tinha dado um concerto em 1968 nas Grutas das Lapas, onde conheceu o Francisco Fanhais que haveria de ser um amigo para a vida, e como fazia 50 anos dessa data era uma efeméride significativa. Termos cá o antigo padre Manuel Tiago, o organizador desse espectáculo, foi importante. Foi uma coisa muito comovente, muito especial.
Pelas divisões que são públicas [além do espectáculo dos La Fontinha houve outro organizado pela autarquia] tiveram algum receio de que a sala não enchesse?
JVP - Inicialmente talvez, mas depois começámos a ver as intenções nas redes sociais e a certa altura até pensámos que a sala ia ser pequena.
CF - Para mim foi uma coisa brutal! Era muita gente e toda em sintonia, toda a gente veio porque tinha vontade de vir e isso sentia-se.
Guardam mágoa por o espectáculo não ter sido nas Grutas das Lapas?
MO - Jamais teríamos conseguido fazer o espectáculo que fizemos aqui, se fosse lá. É verdade que lá tinha o simbolismo de ser o sítio, mas não teríamos metade do público que tivemos, as pessoas – muitas de idade – não iam ter as condições que tiveram aqui [Estúdio Alfa], e talvez tenha sido pelo melhor o espectáculo acontecer neste espaço. O que importa foi o que se viveu e com quem se viveu.
Não houve tristeza por não ter sido lá?
JCL - Quando se tornou evidente que não íamos participar no espectáculo que se previa para lá, dissemos que íamos fazer para os amigos, para quem viesse, para comemorar a data. Foi com esta tranquilidade que assumimos o concerto. Ainda chegámos a pensar fazer nas Lapas na rua, mas podia ser uma coisa ofensiva e optámos pelo Estúdio Alfa.
MO - Pensámos apenas que tínhamos de fazer. Era obrigatório fazer!
JCL - E o que era uma coisa para os amigos começou a ganhar outra dimensão… [algumas pessoas ouviram o concerto fora da sala].
Há algo de político neste projecto ou é apenas um grupo de amigos a divertir-se?
JCL - Político no sentido de alguma intenção do grupo veicular uma mensagem não há nenhuma. Zero! É uma reunião de amigos apaixonados pela música. Atendendo às circunstâncias históricas em que muitos crescemos fomos influenciados pelo universo conotado com a música de intervenção, mas não é isso que se passa aqui. A aposta é estética e musical. Aliás, no alinhamento que fizemos do Zeca excluímos muitos dos temas do jargão dele para outras coisas mais bonitas e mais ricas que o Zeca tem e às vezes fogem às pessoas.
MR - Fizemos estes concertos, mas antes disso fizemos dezenas de concertos que não tinham o mesmo teor.
Com 27 anos de diferença entre os elementos do grupo, as coisas funcionam bem?
CF - A minha mulher diz que ao fim de 50 anos este foi o melhor projecto em que eu entrei!
MO - Isto é o ansiolítico perfeito e natural. Chegamos aqui e fica tudo lá fora… somos profundamente amigos uns dos outros e encaixa tudo!
CF - Este pessoal que canta o povo está integrado em abrir as mentes, à parte da política. A malta aqui é humilde e estamos a tocar com muito carinho, a tratar as músicas destes autores da melhor forma e isso faznos sentir muito bem aqui, é terapêutico.
Sentem que não há apoios à cultura?
CF - Sinto que somos um bocado marginalizados…
JCL - Somos um grupo apaixonado por música. Não precisamos de apoios, não fazemos vida disto, tocamos nos sítios onde nos convidam… enfim…
MO - Podia haver um bocadinho mais de facilitismo, de divulgação e não há uma valorização do património local. Mas a discriminação que existe connosco há com muitos outros…
Abril ainda inspira os artistas?
JCL - O 25 de Abril não inspira nada no sentido em que foi uma coisa longínqua, quase há 50 anos. A mensagem da música que procuramos fazer é mais estética, não deixando de ser uma mensagem. A música que se toca se tiver determinadas características como a sua riqueza, a sua beleza, coisas esteticamente significativas influenciam a assistência de uma certa maneira. Se forem propostas nesse sentido contribuem para que mais gente tenha uma percepção mais rica da beleza do mundo através da música. Nesse sentido estamos a intervir!
Mas somos um país culturalmente adormecido?
MiP - A música no geral cada vez tem menos mensagem e é virada para o consumo rápido.
JPV - O meu pai já dizia o mesmo de mim, às vezes também paro para pensar se não sou eu que estou a ficar, de certa forma, ultrapassado!
JCL - Mas nunca como hoje há tantos músicos jovens a fazer músicas com as coisas do Zeca, é uma fonte inesgotável. O que acontece é que a força da outra cultura de massas é tal que abafa tudo, não se vê o resto.
MO - Em relação às massas… quando se desinveste na educação e na cultura as exigências são muito mais baixas!
As pessoas não ouvem porque não lhes dão ou não lhes dão porque as pessoas não querem ouvir?
MO - É uma pescadinha de rabo na boca, mas as pessoas não ouvem porque não lhes dão. Sem dúvida! Quando se baixa a fasquia educativa como ela está hoje, as pessoas nem procuram o que não sabem que existe. É preciso ter a noção de que as gerações mais novas não nasceram das couves, e a responsabilidade das coisas como estão é nossa como gerações que os estão a criar. E enquanto não assumirmos essa responsabilidade é um bocado difícil romper com a situação. Mas como é tudo cíclico e a coisa vai girando, eu ainda tenho alguma esperança!
Faz falta agitar a malta?
MaP - Faz falta acordar a malta!
Este ano haverá algum espectáculo comemorativo do 25 de Abril em Torres Novas?
JCL - Não…
JPV - Eu vou à praça 5 de Outubro com a Dulce [antiga integrante do grupo Cancioneiro, filha do mítico João Espanhol] porque ela quer ir lá cantar o “Grândola, Vila Morena”.
JCL - Em 2013 fez-se no Teatro Virgínia um concerto chamado “Maior que o pensamento” com grupos do concelho a cantar várias músicas da época e este ano falou-se em fazer uma coisa parecida, mas a ideia caiu…
Depois das homenagens a Fausto e a Zeca, segue-se uma homenagem a José Mário Branco. Porquê?
JCL - José Mário Branco é uma referência maior da música portuguesa. Não só como autor e compositor, mas também como arranjador, produtor… José Mário produziu e fez os arranjos do “Cantigas do Maio”, de Zeca Afonso. Hoje olha-se para esse álbum e ouve-se os arranjos musicais… as abordagens instrumentais… e é uma coisa completamente revolucionária. Toda a gente canta coisas de José Mário, há êxitos de Camané ou de Cristina Branco que toda a gente ouve e são músicas de José Mário Branco! O nome dele estava em carteira para os tributos que pensávamos fazer, como é possível fazermos a Vitorino, a Sérgio Godinho…
É mais difícil cantar José Mário Branco, Zeca Afonso ou Fausto?
JCL - Zeca é um caso à parte!
CD - Mas Fausto é mais complicado… os acordes… a parte rítmica. Foi difícil!
CF - Nunca pensei tocar Fausto, venho para aqui e fiquei fã número um. Como estou a ficar fã de José Mário Branco…, coisas que nunca tinha tocado na minha vida!
Quando é que está previsto o espectáculo de homenagem a José Mário Branco?
JCL - Até Junho, senão depois só a partir de Setembro.
Com a morte recente de João Espanhol, um homem ligado à luta pela liberdade e à música, Torres Novas está a ficar sem referências?
[silêncio]… CF - Enquanto eu cá estiver há uma referência! [risos]
MO - São ciclos históricos diferentes e a época em que vivemos não cria esse tipo de referências. É assim porque é assim!
LEGENDA:
CF - Constantino Formigo;
CD - Céu Dias;
JCL - João Carlos Lopes;
JPV - João Pedro Vitorino;
MO - Margarida Oliveira;
MR - Mário Rosa;
MaP - Marta Presume;
MiP - Miguel Pinheiro.