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01 JUL 2019
Partilhar Amor
Por Jornal Abarca
Raquel numa escola em Cabo Verde
Raquel numa escola em Cabo Verde

A Sharing Love é uma associação sem fins lucrativos que ajuda pessoas carenciadas em Cabo Verde, país que celebra 44 anos de independência a 5 de Julho. Raquel Domingues, natural de Tomar, começou este projecto depois de um período de voluntariado no arquipélago. Em Agosto a Sharing Love vai novamente à Ilha de Santo Antão.

É o prazer de passar pela vida fazendo o bem, fazendo as pessoas felizes, sem apresentar factura”. Foi deste modo que Herman José caracterizou Nicolau Breyner, ainda antes deste falecer, para referenciar que este era o grande talento do amigo. Essa frase veiome ao pensamento enquanto conversava com Raquel Domingues, naquele fim de tarde soalheiro, na zona industrial de Vilar dos Prazeres, no concelho de Ourém.

É impossível não nos sentirmos egoístas ao conversar com a Raquel. Chega apressada, desculpa-se pelo atraso, pede lume. Não há, mas a boa disposição do amigo João faz com que Raquel relaxe. Calça uns chinelos, respira um pouco e pede se a conversa pode ser fora do armazém: “Aqui faz eco e está um sol tão bom”, justifica. 

Raquel Domingues nasceu em Tomar e pela cidade do Nabão viveu até aos cinco anos, altura em que os pais se mudaram para Ourém, onde vive até agora. Estuda Serviço Social na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, em Leiria, e pelo meio, para ajudar a pagar os estudos, vai tendo alguns trabalhos em tempo parcial. “Estive a trabalhar como lojista em Leiria mas já acabou, no verão vou cinco semanas trabalhar para a Suíça”, onde vivem os pais e o irmão. “Como tenho lá casa e pagam bem, é uma forma de ganhar algum dinheiro”. 

No meio de tanta coisa, seria de acreditar que Raquel não tivesse tempo para muito mais. Mas, entre tantas tarefas, criou uma associação para ajudar pessoas desfavorecidas em Cabo Verde. “Em 2016 estive dois meses e meio a fazer voluntariado na Praia, em Cabo Verde”. Apaixonou-se por África mas terminado o voluntariado foi para a Suíça, ter com os pais. “Foi um choque grande passar de Cabo Verde para a Suíça”, lembra. Sem saber que rumo seguir, mas com a experiência de voluntariado na mente – e no coração -, Raquel começou a projectar um sonho. 

Em Cabo Verde tinha conhecido Priscila Martins, de Oliveira de Azeméis, e foi em conjunto que decidiram colocar as suas ideias em prática: “Decidimos que tínhamos de fazer alguma coisa e arregaçámos as mangas”, conta. Os 1500 quilómetros que a separavam de Portugal não se Em Cabo Verde tinha conhecido Priscila Martins, de Oliveira de Azeméis, e foi em conjunto que decidiram colocar as suas ideias em prática: “Decidimos que tínhamos de fazer alguma coisa e arregaçámos as mangas”, conta. Os 1500 quilómetros que a separavam de Portugal.

De Vilar dos Prazeres a Santo Antão
A Sharing Love nasceu, cresceu e sustenta-se centrada na acção de Raquel, embora tenha a ajuda de muitos voluntários. Mas com uma vida tão ocupada, como é possível articular as coisas de modo a que os donativos cheguem a Cabo Verde? 

O processo dura todo o ano e envolve o contributo de cerca de trinta voluntários. Raquel explica: “Durante todo o ano recolhemos bens, sobretudo roupa e material escolar e depois enviamos tudo num contentor”. Toca o telefone e Raquel dá indicações sobre como chegar até ao armazém. Do outro lado estão Miguel e Ana Filipa que viajam desde Almada com uma carrinha cheia de material para entregarem à Sharing Love. 

Os donativos chegam sobretudo de particulares, e o apelo é feito “através das redes sociais e dos voluntários que passam a palavra”. Recolhidos os donativos, uma equipa de voluntários trabalha durante algumas semanas separando o material por género e idade. Ou seja, as roupas são embaladas separando as de homem e de mulher e, também, as que são para crianças, jovens e adultos. Nessa tarde, João Oliveira e Joana Pereira são os trabalhadores de serviço, e Rita Freitas passou para deixar algumas dádivas que lhe tinham entregue. 

Com todos os donativos prontos, a Sharing Love envia tudo para Cabo Verde num contentor. Raquel assume que tem ajudas indispensáveis: “Temos uma empresa de transportes marítimos que nos apadrinha, a Transinsular” além do armazém em Vilar dos Prazeres ser cedido “pelo senhor Flávio, da empresa Artimol”. Raquel dá uma ideia da dimensão que atingiu o seu sonho: “Em 2018 enviámos cinco toneladas, o contentor foi cheio”. Para este ano adivinha-se nova remessa máxima, porque é impossível ultrapassar o registo anterior. Um dos grandes receios de quem doa actualmente é a confiança nas entidades intermediárias. Raquel esclarece: “Enviamos tudo num contentor e é aberto lá à nossa frente”, além de que “temos uma folha com o registo dos agregados familiares e sabemos exactamente o que dar a cada família”, evitando assim doar bens de forma inconsequente.

A acção local
Cabo Verde comemora a 5 de Julho 44 anos de independência, mas continua a depender bastante da ajuda externa. As relações lusófonas são privilegiadas e é com naturalidade que há ajuda portuguesa ao país africano. A Sharing Love visita a Ilha de Santo Antão uma vez por ano e em 2019 essa viagem levará nove voluntários entre 29 de Agosto e 20 de Setembro ao país.

Apesar de o voluntariado em 2016 ter sido na Praia, capital do país, Raquel explica que “decidimos ajudar Santo Antão por ter muitos poucos recursos, é uma ilha montanhosa em que as populações estão dispersas”. Admite que “há muita pobreza, mas cria-se uma ligação muito forte com as pessoas”.

Para realizar um bom trabalho de campo contam com a ajuda da Câmara Municipal de Porto Novo e da Amupal (Associação de Mulheres do Planalto Leste). Raquel explica que é um trabalho conjunto: “Equipámos a cozinha e renovámos três quartos para turismo na Amupal e assim eles podem aproveitar para rentabilizar o espaço”, indica. 

O trabalho da Sharing Love em Cabo Verde não se centra apenas em doar bens, passa também muito por consciencializar a população para várias causas. Os voluntários, que têm até 35 anos, são seleccionados com base nas suas capacidades e no que podem oferecer à população local: “Levamos pessoas connosco para aplicar lá os seus conhecimentos”, refere. Em 2018 foram “pessoas da área social que deram aulas sobre igualdade de género e empowerment, da área da medicina dentária que ensinaram a fazer uma boa higiene oral e explicaram a importância disso, pessoas da área do ambiente para sensibilização que fizeram uma recolha de lixo que teve muita adesão e foi espectacular, um osteopata que fez 50 consultas numa semana e uma formação de yoga”, fazendo a diferença no momento e plantando a semente para que o futuro seja diferente para aquelas pessoas. “Criámos a Biblioteca Sharing Love e com isso empregámos uma pessoa”, diz orgulhosa Raquel. De uma coisa não duvida: “Quem vai, quer ir outra vez”.

A base de tudo
Os dois anos de existência da Sharing Love já concretizaram mais acções do que aquelas que Raquel poderia imaginar. Ainda assim, a associação depende totalmente de voluntários e mecenas. “Vamos abrir uma conta bancária porque precisamos de dinheiro para algumas coisas como fazer t-shirts, pagar as refeições dos voluntários em Cabo Verde”, explica. Além disso, para ajudar nessas despesas, têm vendido pulseiras típicas de Cabo Verde para angariar fundos. 

No verão haverá uma exposição fotográfica no Mosteiro do Leitão, na Batalha, com obras de João Abel Oliveira, voluntário da Sharing Love, que serão vendidas para ajudar a causa. Raquel admite inclusive que “já tivemos um convite para nos expandirmos até São Tomé e Príncipe mas financeira e logisticamente não é viável”. 

Apesar das dificuldades, este é um projecto para continuar. “Já não me imagino sem a Sharing Love”, diz. “Mesmo que não conseguisse enviar os donativos, ia lá ajudar na mesma”. 

A Sharing Love é uma causa que existe por amor. Raquel explica que “tento sempre ajudar alguém, mesmo na família”. Uma vocação que, admite, pode contemplar algum egoísmo porque “sinto-me bem comigo, faz-me sentir bem”. Sente que faz a diferença, “ainda que pequenina, mas faço a diferença na casa de alguém”, nunca esquecendo o trabalho e o apoio “muito importante de todos os voluntários”. 

É no final da conversa que surge a pergunta mais óbvia mas aquela que faz Raquel hesitar mais. Porquê este nome? “Sharing Love” [partilhar amor] surgiu porque “na altura estava na Suíça e pensei que pudesse conseguir ajudas lá”. Mas é, também, um reflexo da visão que Raquel tem do mundo: “Partilhar amor é a base de tudo”, afirma.
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