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02 JUL 2020
A Voz de Todos Nós
Por Jornal Abarca

Amália Rodrigues nasceu a 01 de Julho de 1920. No mês do seu centenário lembramos aquela que é, por ventura, a mulher portuguesa mais aclamada da história. De menina pobre a “Rainha do Fado”, passando pela instrumentalização no Estado Novo, Amália sempre será a voz de Portugal.

Amália da Piedade Rebordão Rodrigues nasceu numa família pobre do Fundão, filha de um sapateiro e uma dona de casa, e tinha três irmãos. Perante as adversidades da vida, a família tentou a sorte em Lisboa, era a fadista ainda criança. Passado um ano, os pais regressam à Beira mas Amália fica a viver na capital com os avós maternos, uma decisão que certamente trocou as voltas ao destino que a esperava na terra das cerejas.

Volta para os braços dos pais aos 14 anos, quando os progenitores regressam a Lisboa. Por esta altura, Amália já tinha abraçado a profissão de bordadeira, que a escola não estava ao alcance dos pobres. Um ano mais tarde, em 1935, começa a dar nas vistas ao vender fruta no Cais do Sodré. O seu timbre não passa despercebido a quem por ali a ouve e é por essa via que surge um convite para integrar as Marchas Populares de Alcântara.

A jovem recusa várias solicitações para concursos, por ventura convencida de que a sua condição social não lhe permitia sonhar. Após vários convites, em 1939, deixa-se seduzir pela insistência do Retiro da Severa, a mais famosa casa de fados de Lisboa na época. Não havia volta a dar: nascia, ali, uma estrela.

Embaixatriz de Portugal
O nome de Amália começa a ser cada vez mais notado e a sua carreira musical, a partir de 1939, tem uma ascensão notável, multiplicando-se noutras áreas, nomeadamente como actriz. Faz várias peças de teatro e, em 1947, integra o elenco do filme “Capas Negras”, que se torna na película mais vista em Portugal.

O primeiro concerto no estrangeiro acontece em Madrid, a convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira, homem muito próximo de Salazar. A internacionalização de Amália torna-se consequência do seu talento mas, também, uma arma da ditadura para promover a cultura nacional.

Em 1944, faz uma digressão no Brasil que supera todas as expectativas. Inicialmente prevista para durar um mês, Amália prolonga a sua estadia por quatro meses, para conseguir corresponder à procura dos brasileiros. Com 24 anos, Amália é já o nome maior do fado e muitos outros sucessos se prenunciam. Nos anos seguintes actua por todo o mundo, de Roma a Paris, de Nova Iorque a Tóquio.

Após o 25 de Abril, olhada com desconfiança por ter sido a “menina bonita” do Estado Novo, passa por momentos difíceis, inclusive a nível financeiro. Aos poucos a sua imagem é reabilitada, tendo sido condecorada em Portugal, Espanha, França e Líbano. Quando morre, a 6 de Outubro de 1999, o Primeiro-Ministro António Guterres declara três dias de luto nacional.

Em 2007, no concurso “Grandes Portugueses” da RTP, sujeito a votação do público, Amália é a mulher mais bem classificada, tendo ficado no 12.º lugar, à frente de Eusébio, outro ícone popular instrumentalizado pelo Estado Novo. Amália, juntamente com Sophia de Mello Breyner, são as únicas mulheres que repousam no Panteão Nacional.

Comunista ou fascista?
Provavelmente, nenhuma e as duas ao mesmo tempo. Ou seja, Amália teve de viver com ambos os rótulos sem necessariamente ter uma posição política, embora o seu marido entre 1961 e 1997, César Seabra, estivesse referenciado pela PIDE: “O César, que sempre foi contra a ditadura e pela liberdade de expressão, era do grupo de portugueses que davam dinheiro para o Humberto Delgado”, confidenciaria mais tarde em entrevista a Vítor Pavão dos Santos.

Quando começa a cantar no Retiro da Severa, em 1939, a PIDE constrói um relatório em que Amália é descrita como parte de uma “Organização Comunista do Fado para a transformação do fado em força de propaganda revolucionária”. Ou seja, a instrumentalização que a PIDE teme por parte do Partido Comunista Português acabará por ser aquela com que irá manietar a fadista.

António Ferro, braço direito de Salazar em questões de marketing, conceito desconhecido à época, rapidamente trata de capitalizar a imagem de Amália a favor do regime, convertendo o fado de música de taberna para símbolo nacional. A artista é incluída nos espectáculos previstos pelo Plano Marshall, como forma de divulgação da cultura nacional no estrangeiro. Amália chegou, inclusive, a aparecer em cartazes de propaganda recriando uma dona de casa feliz.

Não consta que Amália fosse próxima de Salazar. Aliás, a única referência a que o ditador tenha ouvido a fadista cantar data de 6 de Agosto de 1966, na inauguração da Ponte Salazar (hoje Ponte 25 de Abril). Apesar disso, de se considerar apolítica, e da veia oposicionista do seu marido, Amália sofreu com a fama de “Princesa da PIDE” no pós-25 de Abril.

O que é certo é que, como cantou António Variações, “Todos nós temos Amália na voz / E temos na sua voz / A voz de todos nós”.

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