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03 SET 2020
HISTÓRIA: "O Caminho para o Abismo"
Por Ricardo Rodrigues

No dia 1 de Setembro assinalaram-se 81 anos da invasão da Alemanha à Polónia, data estabelecida como o início da II Guerra Mundial. Mas em que momento é que começa, exactamente, um conflito desta proporção? Nos dias que correm, muitos ventos nos relembram quando o mundo caminhou para o abismo.

“Uma guerra não começa com dois aviões a bater nas Torres, começa quando dão um pontapé a um colega no intervalo”. Esta frase, que já a reproduzi algumas vezes, foi-me dita por um professor de português, João Paulo Videira, no pós-11 de Setembro. Na altura não tinha maturidade para a entender mas mais tarde vim a perceber: todos os grandes conflitos começam com pequenas acções. 

A data estabelecida como o início da II Guerra Mundial é o dia 1 de Setembro de 1939, passam agora 81 anos. Parece uma eternidade e, no entanto, assemelha-se ao dia de hoje. Isto porque as ressonâncias desse dia ecoam na sociedade actualmente. O que não aprendemos? A verdade é que a II Guerra terá começado no dia em que terminou a I Guerra. A 11 de Novembro de 1918 foi assinado o Tratado de Versalhes que apontava o dedo à Alemanha como principal causador do conflito e obrigou o país a pagamentos estratosféricos a outras nações. Sobrou, no final, o sentimento de humilhação, a revolta e a vontade de vingança.

É nessa altura que começa a ascensão de movimentos nacionalistas, com especial destaque para o nacional socialismo na Alemanha, de Adolf Hitler. Um antigo soldado sem méritos que ascende a líder do país. E tudo começou, salve-se a comparação, “com um pontapé ao colega no intervalo”.

Traduzindo, Hitler não se fez líder da Alemanha quando invadiu a Polónia. Conseguiu-o lentamente, aproveitando-se das falhas do Estado Social para, através do seu populismo, ir ascendendo. Tudo começa na divisão entre “nós” e “eles”, os bons e os maus.

Assistimos, hoje como no passado, à culpabilização das camadas mais fracas pelo estado em que vivemos. As desgraças da nossa sociedade, subitamente, são responsabilidade dos pretos, dos ciganos, dos homossexuais e dos imigrantes. Se juntarmos os judeus ao discurso, recuamos cem anos.

E esse tipo de discurso, de intolerância, por norma aproveita-se dos mais fracos: dos menos inteligentes, dos mais pobres ou dos mais injustiçados pelo sistema vigente. Dos que encontram ali algum tipo de refúgio e de reconhecimento. Hitler disse um dia que “toda a propaganda tem que ser popular e acomodar-se à compreensão do menos inteligente dentre aqueles que pretende atingir”. Desde sempre o ditador soube que teria de captar as massas e isso passava por agregar, através do seu discurso manipulador, aqueles que mais sofriam no pós-I Guerra, onde imperava a fome, a pobreza, o desemprego e o descontentamento social.

Gabriel de Oliveira Feitor, historiador e cronista do abarca, reconhece algumas semelhanças entre o pré-II Guerra e os dias de hoje. Além do discurso divisório, aponta “os que se apresentam como anti-sistema mas que são parte do sistema, a apresentação da boa-nova de um novo regime e a aceitação do jogo eleitoral para depois implementar o projecto” que mobiliza os totalitarismos e destrói a democracia. Identifica, também, “as semelhanças pós-crises financeiras e a falta de respostas para os problemas sociais”, aludindo ao crash de 1929 e à crise de 2008. “É algo de que ainda estamos a recuperar”, aponta.

A estratégia actualmente muda na sua forma, mas não na sua essência. A propaganda é feita sobretudo nas redes sociais através de desinformação e de mentiras. Os mais frágeis, por norma, não conseguem distinguir o que é verdadeiro e o que é falso. E fartos das injustiças de um sistema que consideram corrupto e gasto, acreditam em tudo o que lhes é dito e agarram-se ao lema daqueles que prometem ser os justiceiros: “Chega!”, gritam. Como se gritava, no pós-I Guerra, na Alemanha.

Nesse contexto, não vivemos nenhuma realidade paralela com um período pós-guerra. Mas é certo que a pandemia trouxe maiores dificuldades económicas, mais desemprego e avizinham-se tempos turbulentos. É nesse espaço que os totalitarismos ganham força. E é aí que o bom senso tem de resistir.

Churchill dizia que “a democracia é a pior forma de governação, excepto as outras todas”. Factualmente, nunca a Europa teve um tão largo período de paz como continente, havendo apenas alguns conflitos localizados ao longo destes 75 anos desde o fim da II Guerra. Tendo as suas fraquezas, o caminho terá de ser sempre feito em democracia. Qualquer outra opção, é reviver o passado, onde caminhámos para um abismo que nenhuma pessoa de bem pode querer ver repetido.

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