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03 SET 2020
REPORTAGEM: "Dona Amélia"
Por Jornal Abarca

Luís Agudo decidiu reabilitar um edifício histórico de Abrantes e dar-lhe nova vida respeitando o passado. O palacete que outrora pertenceu a Solano de Abreu é agora uma guesthouse que mantém o espírito do século XIX. O proprietário fala também de como pretende trazer os abrantinos até ao espaço.

Quem entra em Abrantes, junto ao quartel, nota agora num palacete que brilha. Mas, até há pouco tempo, a Villa Maria Amélia, nome de baptismo dado por Solano de Abreu, estava devoluta e a ameaçar tornar-se num embaraço paisagístico na cidade.

“Foi a beleza inquestionável deste palacete e a paixão a esta cidade, onde nasci e cresci, que me levaram à criação deste projecto”. É assim que Luís Agudo, 60 anos, se apresenta ao público na página oficial da Dona Amélia. “Em meados do ano passado comecei a interessarme por este imóvel que estava devoluto”, que pertence à Fábrica da Igreja Paroquial de São Vicente. “O edifício é um ícone da cidade e o meu primeiro pensamento foi criar uma unidade de alojamento local”, explica. Assinou um contrato de arrendamento com os proprietários do imóvel e deu asas a este sonho.

“A casa precisava de muitos melhoramentos, desde o tecto ao pavimento” e todos os pormenores são importantes para Luís. Afaga a escada em caracol que une o rés-do-chão aos pisos superiores e desabafa: “Olhe a beleza destes pormenores”. Luís, antigo Técnico de Prevenção e Segurança na EDP, acredita ter abraçado a ideia de renovar o palacete na altura certa porque “a casa ia começar a ter problemas de degradação”, assume.

Durante um ano, num projecto familiar em que se envolveram a mulher, a filha e os enteados, renovou a casa exclusivamente com “capitais próprios”. O mais importante, garante, era respeitar a história do local: “Era impensável modificar as linhas arquitectónicas”, declara peremptoriamente. Nota-se no discurso, e no olhar, de Luís uma admiração pelo espaço que ultrapassa a visão empresarial de quem acabou de inaugurar uma unidade hoteleira. “O dono desta casa gostava de receber as pessoas da cidade, que aqui vinham passear nos jardins e a guesthouse é uma forma de respeitar esta casa e a sua memória, dar a conhecê-la e a sua história a quem nos visita”, explica.

A inauguração da Dona Amélia ocorreu a 8 de Julho, numa cerimónia que contou com a presença do presidente da autarquia, Manuel Jorge Valamatos, mas a guesthouse apenas abriu portas uma semana depois. Composto por dois dormitórios e dois quartos privados, baptizados em homenagem a António Botto e Solano de Abreu, o espaço alberga até dez pessoas. Além disso, os hóspedes podem usufruir de vários espaços comuns como uma sala de refeições, cozinha, sala de estar com lareira e jardim. “Ainda há coisas que gostava de fazer”, diz Luís, mas “tem de ser um passo de cada vez”. Nas ambições do abrantino está a criação de uma sala de leitura junto à torre para hóspedes e de uma área dedicada às artes, aberta à população. “Será um espaço reservado para actividades culturais, já temos programadas duas, para Outubro, que serão anunciadas atempadamente”, conta. Mas ressalva que “não queremos criar um espaço muito complicado, queremos fazer coisas para todas as pessoas, e dar oportunidade aos artistas locais”.

A abertura, contudo, estava prevista para uns meses antes. “Em Março o investimento estava praticamente concluído, faltava apenas a decoração” mas a pandemia veio atrasar os planos. “Tivemos receio, por tudo o que já tínhamos aqui investido”, assume. Ainda assim, é notório que Luís é uma pessoa optimista e nada abalou a sua convicção de que “este é um projecto viável”. Aproveitou o confinamento para, juntamente com a família, se dedicar “a 100% à casa” dando os últimos retoques. “Tínhamos de avançar, estava tudo preparado”.

Para o sucesso que tem sido desde que abriram portas, com todas as noites com hóspedes à data da nossa reportagem, Luís acredita que foi importante o contributo… da Covid-19: “Estamos a beneficiar com a pandemia, cerca de 80% dos nossos clientes são portugueses que estão a fazer a rota da EN2”, reconhecendo que o turismo da região consegue captar mais turistas devido às dificuldades em viajar para fora.

Apesar de assumir que este investimento “foi um risco” até porque “não tinha experiência na área”, as críticas “têm sido boas, além dos elogios, os hóspedes apontam sempre onde podemos melhorar e isso é muito positivo”. A confirmá-lo estão as avaliações na plataforma online Booking, uma espécie de enciclopédia do alojamento, onde os hóspedes podem avaliar a estadia, numa escala de 0 a 10. À data, a Dona Amélia tem uma avaliação de 8,7 pontos o que enquadra a guesthouse na categoria de “Fabuloso” segundo a medição da plataforma.

As avaliações incluem comentários bastante elogiosos: “O lugar é incrível, é muito limpo e o anfitrião faz de tudo para te ajudar com recomendações e dicas para que possas aproveitar a estadia em Abrantes o máximo possível. Devido à história do lugar vai-se sentir como se estivesse hospedado num palácio”. Os lamentos apresentados prendem-se, por norma, com o facto de “não ter tido mais tempo de ficar na Dona Amélia”.

Para Luís, este aventura tem sido “extremamente desafiante” mas “deu muito gozo sobretudo por fazermos isto em família”.

 

Estrada Nacional 2
A mítica estrada nacional número 2, que ao longo de 740km atravessa o país de Chaves a Faro, completa 75 anos em 2020. Sendo a terceira estrada mais comprida do mundo, acaba por oferecer aos viajantes paisagens e experiências diversas.

A sua rota já sofreu algumas modificações, nomeadamente com a construção de variantes que afastaram os veículos do interior das localidades, mas esta é uma via que tem recuperado alguma atractividade nos últimos tempos. Na região, a EN2 passa pelos concelhos de Vila de Rei, Sardoal e Abrantes.

Luís Agudo acredita que algo tem de ser feito para que as pessoas fiquem nas terras em vez de passarem por lá. “Faz-me lembrar quando foi a Expo’98 e havia os passaportes com os carimbos. As pessoas andavam a coleccionar carimbos e muitas vezes nem visitavam os pavilhões”, compara. “A estadia não pode resumir-se à pessoa chegar às 18h e no outro dia de manhã ir embora”.

Para inverter essa tendência, acredita, tem de existir uma estratégia concertada para a região: “Temos de tirar partido disto. Por exemplo, quem vem de Vila de Rei para Abrantes vem pela variante nova e não vai dentro do Sardoal”, onde passa a rota original da EN2.

A estratégia, na sua visão, passaria por oferecer às pessoas um programa que lhes permitisse fazer uma estadia mais prolongada na região. “Temos Abrantes, Sardoal mas também Constância ou Belver que têm uma boa oferta cultural” reconhecendo que os turistas procuram cada vez mais esse tipo de actividades.

Esse é um trabalho que está a desenvolver, mas acredita que deveria vir de cima. “O Turismo do Centro e os próprios municípios têm de criar melhores condições, em termos de atractividade dos locais, para que as pessoas fiquem mais tempo. Tem de pensar-se no póspandemia”, alerta.

 

A herança
Nascido e criado em Abrantes, Luís apenas viveu fora da cidade de 1980 a 1987, devido à sua profissão na EDP. Em 1995 abriu um escritório de seguros, que é o negócio principal da sua empresa, à qual agregou o posto dos CTT de Alferrarede e, agora, a Dona Amélia.

Para um filho da terra, que notoriamente sente Abrantes como parte de si, o espaço que agora gere é um motivo de orgulho e quase como uma herança artística e histórica que recebe. Por isso, não fazia sentido alterar-lhe a identidade. “Solano de Abreu era casado, mas não tinha filhos, deixou este palacete a uma afilhada. Tanto a esposa como a afilhada tinham Amélia no nome, e ele deu o nome Villa Maria Amélia, decidimo-nos por Dona Amélia”, explica.

Francisco Eduardo Solano de Abreu nasceu em Abrantes em 1858. Fundou o “Correio de Abrantes”, primeiro jornal da terra e nos últimos dois anos da monarquia foi presidente da Câmara Municipal de Abrantes. Reconhecido como um altruísta fez parte da direcção do Montepio Abrantino Soares Mendes, onde criou uma farmácia, contribuindo com bastante dinheiro para o efeito, foi provedor da Santa Casa da Misericórdia durante muitos anos e, no Hospital do Salvador, construiu a sala de operações, a maternidade e outras instalações, e também ajudou a fundar a “Sopa dos Pobres”.

Em 1892 ergueu o palacete, com traços de chalet romântico, inspirando-se em vários estilos arquitectónicos. Aqui mora, mais do que um espaço para pernoitar, a memória de alguém que amou Abrantes. E essa é a herança que Luís orgulhosamente ostenta.

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