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18 DEZ 2020
REPORTAGEM: Artistas têm de mudar de profissão e emigrar para sobreviver
Por Jornal Abarca

Os sectores da restauração e dos eventos foram dos mais afectados pela pandemia da Covid-19. A quebra de rendimentos levou alguns a emigrar e outros a procurar novas saídas profissionais para fazer face aos encargos. Um cenário negro que teima em persistir.

A vida de Bruno Patrício Estêvão, 27 anos, natural de Alcanena, deu uma volta de 180 graus em menos de cinco meses. O Hot Crazy Boy, nome artístico com o qual se apresenta atrás da mesa de som a animar dezenas de festas durante o ano, decidiu no início de Março sair da sua zona de conforto: “Troquei de emprego e arrendei casa em Santarém no primeiro fim de semana de Março”, conta. Duas semanas depois ficou em layoff e sem os eventos para realizar: “De um momento para o outro fiquei sem pé”, assume.

Com renda de casa e prestação de carro para pagar começou a recorrer às poupanças para sobreviver: “Chegou a um ponto em que estava a perder as poupanças, até por investimentos que fiz o ano passado”. Não deitou a toalha ao chão, não faz parte do seu carácter: “Arranjei outro emprego como distribuidor da Telepizza, saía de um trabalho e ia para outro. Houve alturas em que trabalhava sete dias por semana”, lembra. Ainda assim, era insuficiente para fazer face aos compromissos que tinha. No início de Outubro, decidiu emigrar: “Vim para a Noruega por questões financeiras, devido à Covid-19”, admite. “Perdi mais de 80% dos meus rendimentos”. E detalha: “Pelas marcações que já tinha de Março a Agosto, deixei de ganhar 12 mil euros. E ainda podiam aparecer outras marcações”.

Lembra, bem-disposto, que a situação poderia até ter sido pior: “Quando mudei de emprego ainda pensei em ficar seis meses a trabalhar só na música para abrandar um bocado, mas houve algo que me fez não optar por isso. Teria sido drástico porque ficava sem qualquer rendimento”. Como tantos outros artistas, reclama a retoma da actividade de forma segura: “A situação de agora não é a mesma de Março em que fomos apanhados desprevenidos”, acredita. “Podia-se fazer eventos com lugar sentado ou em carrinha a percorrer as ruas. Este é um formato que resulta porque não existe acumulação de pessoas”.

Esta necessidade de voltar a actuar não se prende apenas com a condição a que os trabalhadores da área dos eventos estão aprisionados: “É também em prol da população, há muita gente que sente falta de música e deste ambiente”, diz. Ao contrário de outras actividades, não existe alternativa online para Bruno: “Sou DJ, ainda tentei fazer actuações online mas é muito complicado fazer esses directos porque a minha actuação vive da interacção e da reacção das pessoas”, esclarece.

Voltar a trabalhar e a alegrar as pessoas é uma prioridade, mesmo compreendendo que não será como dantes: “Não me importava de ganhar menos, mas também poder dar algo às pessoas que elas têm saudades”.

Embora seja contra a noção de dar esmolas como forma de apoio, reclama a escassez de ajudas aos artistas locais: “Os artistas nacionais têm outras formas de ganhar dinheiro, nós não. Sem festas populares não temos rendimentos”. Aponta o dedo às estruturas locais: “As Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia recebem apoios para a cultura todos os anos e este ano praticamente não gastaram essas verbas, podiam ajudarnos. Cheguei a apresentar soluções a entidades autárquicas da região, mas nunca houve muita saída”, reclama.

Na Noruega, a vida é diferente. “Vivo em Brønnøysund, que é mesmo no norte, a mais de 800 quilómetros de Oslo. Aqui não há casos de Covid e ninguém usa máscara, isso permitiu-me voltar um bocado à normalidade”, diz satisfeito. “Trabalho na agricultura, com gado, e a partir de Março começamos a semear. É uma vida completamente diferente, onde não se passa nada, mas gosto”.

O objectivo é voltar a Portugal antes do próximo verão mas ainda não sabe se fica definitivamente: “Tenho casamentos e festas no verão para fazer, espero cumprir a minha agenda, e pode ser que consiga arranjar alguma coisa estável. Se até final de Outubro isso não acontecer penso em emigrar novamente”.

 

Um longo caminho cheio de pedras
César Alves, 37 anos, vive em Pé da Pedreira, Alcanede, e é sóciogerente da empresa Sons Iluminados, que presta serviço de aluguer de equipamentos de audiovisual para eventos.

Também a sua vida se “alterou totalmente” de um momento para o outro. “Estávamos a fazer as tasquinhas de Rio Maior e no dia 10 de Março foinos comunicado pela Câmara Municipal que tínhamos de levantar o material porque o evento ia ser suspenso”.

De um momento para o outro ficou sem trabalho. Com dois filhos menores, um com três e outro com ano e meio, não lhe restou outra opção: “Tive de ir trabalhar para outro lado. Neste momento trabalho numa pedreira de extracção de mármores, em Alcanede”, conta resignado. Valeu-lhe uma amizade de infância: “A empresa é de um colega meu de escola, comecei como motorista, agora estou mesmo na extracção”.

De Março até ao dia de hoje a empresa facturou 1700 euros a que se juntam os 400 euros que receberam da Segurança Social. Por isso, assume sem vergonha, “houve necessidade de sobreviver”, lembrando que os seus rendimentos sofreram uma quebra “superior a 70%” com a pandemia. As duas pessoas que trabalhavam com a empresa, embora não fossem trabalhadores a tempo inteiro, “também tiveram de procurar outras soluções porque não conseguíamos suportar as despesas”.

À imagem do amigo Bruno, também acredita que “dava para retomar os eventos”. Até porque apesar de praticamente paralisado, “já fui fazer um evento a Santarém, para 55 pessoas, e sei que se se cumprirem as normas dá para fazer tudo na mesma”.

A criatividade tem sido uma imagem de marca das empresas para se reinventarem nesta altura. César e a esposa, Sílvia, também proprietária da empresa, foram pioneiros: “Fizemos a primeira missa drive-in [com um carro a percorrer as ruas], em colaboração com a paróquia de Alcanede”, viagem acompanhada pela SIC Notícias. “Correu muito bem”, conclui.

Apesar de gostar do trabalho na pedreira, a sua praia são os eventos: “Sinto falta das festas e as pessoas também”. Por isso, diz-se “preparado para voltar” ainda que revele baixas expectativas: “Mesmo que haja vacina, prevejo que muita gente não vai aderir. As pessoas têm medo. Vai demorar algum tempo até voltar à normalidade”, lamenta.

Poderá ler a reportagem completa na edição em papel do Jornal Abarca, disponível nos postos de venda habituais.

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