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08 FEV 2021
OPINIÃO | "Rosas num Muro", por Anabela Ferreira
Por Jornal Abarca

Janeiro não é o mês típico das rosas.

Contudo, impreterivelmente pelas 7.40 horas, com maior ou menor ca-mada de gelo matinal, nestas manhãs, lá está a presença de duas rosas rubras num alegrete de um quintal ajardinado, que num terreno de so-calcos espreita por detrás do alto muro que sustenta a terra da barreira, dando o aspeto de um primeiro andar florido. Ora, esta beleza florida, no meio da ausência de flores que assola esta que já foi vencedora do prémio Aldeia Florida, e sobretudo num mês de gelo não dado a rosas, causa estranheza. 

Recordo o poema belíssimo, um dos meus preferidos, do simbolista Camilo Pessanha – “Floriram por engano as rosas bravas/ No Inverno” (…) “Sobre nós cai nupcial a neve,/ Surda, em triunfo, pétalas de leve/ Juncando o chão, na acrópole de gelos…” numa nítida referência ao amor desabrochado na velhice e consequente avanço da morte, reforça-da com os dois últimos versos da última estrofe “Quem as esparze – quanta flor! – do céu, / Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?” – alusão óbvia às cãs que a idade traz.

São duas, noutros anos, noutras épocas, na minha memória, era um muro cheio, se bem que não posso assegurar, se de um janeiro algures se tratava, se de outro mês qualquer, se até de maio, mês das rosas.

O segundo ponto a observar prende-se também com o facto de serem só duas. O quintal já não está ao abandono. A nova locatária tomou posse do alegrete também. No entanto, ou por lhe ofertar menos tempo e ou dedicação, ou por reação de saudade delas da dona que as plantou (a Dona Alice) e que há muito partiu, transpondo o rio Estige para lugar incerto, apenas deixando atrás de si esta réstia, esta centelha da sua vida, num fulgor que, tal como uma brasa, ainda está incandescente, perpetuando ainda aquela vida, mas com o fim anunciado, unicamente marca uma tímida presença este par.

Este é mais um espelho que emite o reflexo da desertificação das aldei-as, especificamente, e do interior, em geral, tendo como uma das inúme-ras causas o envelhecimento da população. Em Alegria Breve, Vergílio Ferreira traça um retrato perfeito do avanço do gelo, do inverno físico e metafórico. Inevitavelmente, infalivelmente, fatalmente, o abandono avança, o deserto toma posse. Para que todo este campo lexical da fata-lidade também se extinguisse, era necessário haver vontade política e avançar rápida e eficazmente em várias frentes, sendo talvez a principal em investimento de incentivos à fixação da população e das empresas, dando ânimo e estímulo ao nosso paupérrimo interior.

Seria bom e para o bem de todos que estas rosas se multiplicassem como se caíssem milagrosamente de um regaço real – “São rosas, senhor, são rosas!”.

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