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08 FEV 2021
OPINIÃO | "O Muro da Vergonha: do Lugar ao Não-Lugar (I)", por Estêvão de Moura
Por Jornal Abarca

O “Muro da Vergonha” ou simplesmente “O Muro”, que na origem foi uma parede a dividir em duas partes a Praça Barão da Batalha, foi o resultado da tempestade perfeita que atingiu Abrantes na tormenta dos anos sessenta. O Muro foi a Luz que brilhou com uma intensidade social nunca vista. Foi o trono onde se sentaram os agentes de mudança e o púlpito de onde eram anunciadas as transformações numa sociedade sem medo de mostrar que estava a mudar.

A título prévio: não é para mim claro, na transformação que alterou o perfil da Praça Barão da Batalha, com a supressão do designado “Muro da Vergonha” (que é o tema versado nesta crónica e nas seguintes): (I) se esta foi uma causa ou uma consequência; (II) se a mudança representou um avanço ou um retrocesso urbanístico e social; (III) se as funções sociais do Muro continuaram a existir após as alterações; ou (IV) se o espaço passou a desempenhar um outro papel – real ou imaginado por quem pensou e concretizou essas alterações. 

Não vivi o lugar que é hoje a Praça Barão da Batalha, sem o Muro da Vergonha; nem forjei uma opinião sobre os méritos ou deméritos da reconfiguração urbanística que transformou o espaço naquilo que é hoje.

Desconheço as opções estéticas, funcionais, securitárias, ou outras que tenham constituído informação relevante para a tomada da decisão de alterar o perfil do Muro. É verdade que não procurei essa informação. Pelo facto de tais transformações terem ocorrido num período em que me mantive mais afastado e menos interessado nas questões abrantinas. 

Dado que ignoro tudo o que respeita ao actual espaço urbano, que substituiu o Muro da Vergonha, em Abrantes, não me permitirei a veleidade de opinar sobre o mesmo. Irei escrever, isso sim, sobre um lugar que não existe. 

De um modo que não deixará de ser paradoxal ao escrever sobre tal lugar acabarei a escrever sobre o lugar que o substituiu e que hoje se parece mais com aquilo a que o antropólogo francês Marc Augé conceptualizou como um não-lugar (“Não Lugares – Introdução a uma antropologia da sobremodernidade”, das Edições Letra Livre, com tradução do nosso conterrâneo Miguel Serras Pereira).

Escreve Augé (pag. 69): “Se um lugar se pode definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode definir-se nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um nãolugar”. Será esta a situação das escadas que substituíram o Muro da Vergonha? Não tenho uma resposta para esta questão. E terão os abrantinos uma resposta?

O espaço do Muro da Vergonha será um não-lugar, não porque o Muro se esfumou, mas porque o papel que ele desempenhava é que desapareceu. Passa-se hoje alguma coisa nas escadas implantadas no lugar que já foi do Muro? As escadas geram identidades, relações, situações que fiquem para o futuro?

Está por estudar a relação entre o fim do Muro da Vergonha e o declínio do casco histórico de Abrantes. Uma coisa parece ser evidente: depois da destruição do Muro, substituído por algo bem mais composto e ordenado, o centro histórico, nunca mais foi o mesmo. Poderá a destruição do Muro ter criado uma espécie de “maldição urbana” sobre o lugar?

À falta de um racional que explique a depressão urbana e social que atinge o casco histórico de Abrantes, uma teoria centrada sobre uma maldição criada pelo Muro até se pode mostrar razoavelmente operativa na fixação de um fenómeno que até hoje não teve uma explicação com alguma inteligência. Sobre o papel transformacional que o Muro desempenhou na viragem de Abrantes para o último quartel do Séc. XX escreveremos na próxima crónica.

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