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14 ABR 2021
OPINIÃO | "Humor", por Anabela Ferreira
Por Jornal Abarca

O humor faz parte do ser humano. Acompanha-nos desde sempre. Temos registos deste em textos antigos. Muda de sociedade para sociedade e ao longo dos tempos. Está diretamente ligado ao contexto, ao aqui e agora, embora possa, em alguns casos, perdurar, obviamente.

Contudo, será possível, aceitável e até desejável estabelecer um limite para o humor? Como delinear uma linha fina e manter o equilíbrio ténue entre o que se pode ou não dizer, escrever, desenhar, comentar jocosamente… poder-se-á contar uma anedota com alentejanos, mas não com judeus? Com árabes, mas não com cristãos?...

Mais. A utilidade do humor é inquestionável. Já no século XV o célebre dramaturgo Gil Vicente, com as suas fabulosas personagens-tipo, realizava o ridendo castigat mores (a rir corrigem-se os costumes). No desfilar das suas criações, atingia desde o Parvo ao Fidalgo, passando pelo Frade, a Alcoviteira, o Onzeneiro, o Judeu, a Moça, a Mãe… com o seu riso que pretendia obter o siso.

Recordem-se também que sempre que algo é repudiado por, apesar de pretender ser divertido, ser entendido como espiclondrífico, humor que é estranho ou extravagante, e até ofensivo, se torna, devido à polémica que se gera, mais divulgado, logo conhecido. Recordem o caso de há dez anos (sim, o tempo passa depressa) Charlie Hebdo.

Eu asseguraria que é do bom senso geral defender a liberdade de expressão e repudiar a censura. Não obstante, após os últimos resultados eleitorais que colocam em destaque uma figura medíocre representante de ideais tão repugnantes que seguem a linha do que conduziu ao Holocausto fascista e ao Grande Expurgo comunista, já não estou tão segura disso. Pior resultado ainda, quer pelo número de votantes, quer pela sua faixa etária e de formação. Muitos jovens são adeptos deste populismo e muita gente com formação. O que, a meu ver, agrava a situação.

Deixemo-nos de ilusões. O holocausto foi o genocídio nazi que vitimou cerca de seis milhões de pessoas “diferentes”: judeus (principais vítimas), ciganos, jeovás, pessoas com deficiência, homossexuais, opositores do regime… Na Alemanha o antissemitismo já existia há muito nos ideais nacionalistas, foi exponencial com o partido de extrema-direita e com o seu ditador Hitler que reforçou não só a supremacia da raça ariana, como preconizou a raça judia, não só como responsável pela derrota alemã aquando da Primeira Guerra Mundial, como também por todos os males, em geral, da sociedade. Com a subida ao poder deste partido, a exclusão, a violência e o extermínio foram os passos seguintes. Tem a certeza que é isto que quer para a sociedade em que vive?

Por outro lado, aliás, no lado oposto, e os extremos aproximam-se muitas vezes, recordemos Estaline com o seu plano quinquenal, a coletivização com uma industrialização que interrompeu significativamente a produção de bens alimentares, dando origem à fome e a protestos. Os que são “diferentes”, neste caso pelas opiniões e posições, são declarados inimigos dos trabalhadores, institui o Grande Expurgo com a consequente prisão de cerca de um milhão de pessoas e cerca de 700 000 executadas. É uma sociedade assim que quer deixar aos seus filhos?

Isto passou-se no século XX.

Estamos no século XXI. Será a memória do ser humano tão curta?

Os jovens não se apercebem tanto, talvez, destas realidades. Em cada disciplina escolar os programas são extensos, as metas longas e as competências essenciais pouco retiram aos anteriores. Ou se leciona tudo de forma mais célere e menos profunda ou não se cumpre e se aprofunda… convém lembrar os erros do passado para não os repetir, diz-se muito, mas aparentemente não se coloca em prática. Parece que o ser humano sofre de amnésia coletiva ou de uma outra qualquer doença que teima em fazer o papel das águas do Letes que produziam o esquecimento. Esperemos que tal como as águas do outro rio do Hades (Mnemósine) também nós consigamos reter a nossa memória coletiva.

Enfim, se o caminho passa pelo humor e, se este, por vezes, nos fere ou até ofende, pensemos que o oposto será como abrir a caixa de Pandora de onde todos os males se soltarão para nos assombrar. Sorria e reflita!

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