Home »
14 ABR 2021
OPINIÃO | "O Muro da Vergonha Antes de o Ser", por Estêvão de Moura
Por Jornal Abarca

O Muro da vergonha, como referido nesta série de crónicas que temos vindo a dedicar-lhe, foi uma dádiva da minha geração à cidade de Abrantes e aos abrantinos. Terá a cidade merecido isso? E os abrantinos honrado essa herança cultural e social? Eis duas perguntas para as quais não tenho, nem pretendo, ter respostas. Como é usual dizer-se nestes casos: “Os factos falam por si!”.

Nesta crónica pretendo olhar o Muro na perspectiva daquilo que ele era antes de o ser. Sim, porque o Muro já lá estava, quando foi transformado naquilo que havia de o notabilizar: de solução urbanística de recurso a marco social incontornável.  

A criação do “muro” com as características distintivas que o haveriam de popularizar durante várias décadas foi um acto de revolta e de libertação de uma geração. Para compreender isto é necessário saber para que servia o muro antes desse processo.

Do que mais me lembro foi de presenciar os desfiles das tropas que partiam para Angola, vestidas nas suas reluzentes fardas de caqui, antes da saída de Abrantes para Lisboa; e depois à chegada (onde as verdadeiras estrelas eram os pequenos símios que desfilavam aos ombros de um ou outro militar mais atrevido).

Estes desfiles era suposto serem desfiles alegres. E até certo ponto eram. Nos desfiles da partida os militares sorriam. O povo e os miúdos acenavam. A banda do RI2 tocava marchas militares que davam ao desfile um ar festivaleiro. Alguns notáveis, mas não muitos, da cidade marchavam à frente dos militares e um ou outro dava vivas a qualquer coisa.

Os desfiles à chegada eram um pouco mais sorumbáticos. Os primeiros (que não apresentavam baixas ou feridos por aí além) ainda foram um exercício de propaganda mais ou menos conseguido. A banda lá continuava, a similar que o momento era de alegria.

Só que, esta coisa das guerras tem um inconveniente de que só se dá conta mais tarde. Morrem pessoas. E num desfile os mortos fazem falta. A sua ausência é notada. Quando começaram a morrer jovens militares, os desfiles acabaram, com a mesma ligeireza com que haviam começado.

O Muro da Praça Barão da Batalha (que subtil coincidência esta do apelido do Barão!) era o lugar por excelência onde se inflamavam os fervores nacionalistas e antiterroristas. Depois, deixou de o ser.

E as grandes manifestações de fervor militar na vitória rápida em África, foram substituídas pelas grandes eventos religiosos e de fomento comercial.

O Muro também era o sítio onde se viam passar as procissões (principalmente as da quadra pascal). E os desfiles das actividades económicas ao tempo muito em voga organizadas pelo Grémio. Embora a sua importância tenha sido grande, nenhuma contribuiu para a formação de uma identidade do muro.

Deste tempo importa salientar a importância das manifestações religiosas. Os primórdios do Muro foi um tempo em que a Igreja, tradicionalmente muito silenciosa (o que não quer dizer indiferente) expressou de forma veemente a sua posição: estar ao lado do Povo e das Pessoas que sofriam com o trauma da Guerra em África.

Do Muro foi possível assistir a grandes manifestações de fervor religioso que, ao fim não eram mais do que grandes demonstrações de sublevação pacífica, conduzida por um clero que sabia o sofrimento que ia na casa da pessoas.

Foi do Muro que assisti a algumas das homílias mais contundentes que alguma vez ouvi em Abrantes. A mudança também se fez, por este lado, do silêncio e entrelinhas.

Tudo presenciado pelo Muro: em que outro lugar poderia ser? Alguém tem vergonha de um sítio assim? É claro que não!

(0) Comentários
Escrever um Comentário
Nome (*)

Email (*) (não será divulgado)

Website

Comentário

Verificação
Autorizo que este comentário seja publicado



Comentários

PUB
crónicas remando
PUB
CONSULTAS ONLINE
Interessa-se pela política local?
 73%     Sim
 27%     Não
( 367 respostas )
© 2011 Jornal Abarca , todos os direitos reservados | Mapa do site | Quem Somos | Estatuto Editorial | Editora | Ficha Técnica | Desenvolvimento e Design