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16 MAR 2022
OPINIÃO | "Via Verde para o Crime", por Ricardo Rodrigues
Por Jornal Abarca

Há dias tive conhecimento da história do jovem Carlos Varela e reforcei a sensação que tenho, e garantidamente muitos portugueses a partilham comigo, de que há dois tipos de justiça no nosso país: para ricos e para pobres.

Varela foi atacado com ácido sulfúrico por Bacar Sanhá, ex-marido da namorada. Diz que sentiu “o ácido a corroer-me por fora e por dentro”, ficou praticamente cego, com o rosto desfeito (apresenta-se publicamente de chapéu, óculos de sol e uma espécie de túnica a cobrir o rosto) e a sua vida desmoronou-se. Ao atacante, segundo secretário na Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal, nada aconteceu.

O motivo deste crime sem castigo prende-se com a imunidade diplomática de que dispõe e que, aparentemente, permite-lhe ser um cidadão acima da lei.

Outros casos podem ser elencados sobre a perversidade desta regra. Quem não se recorda dos filhos do embaixador iraquiano que espancaram quase até à morte o jovem Ruben Cavaco, em 2016, em Ponte de Sor? Ou ainda de Manuel Vicente, antigo gestor do Banco Espírito Santo Angola, acusado pelo Ministério Público em Portugal de corrupção activa mas protegido pela imunidade oferecida pela lei em Angola?

Nestes dois casos o descaramento vai mais longe pois nenhum envolve um membro em funções do Estado: no caso dos filhos do embaixador iraquiano era o pai o diplomata e eles beneficiaram desse estatuto como se fosse um seguro de saúde que abrange familiares directos; no caso de Manuel Vicente a imunidade era garantida por ter sido deputado e estende-se até cinco anos após o término de funções.

A imunidade existe mesmo dentro do próprio país, neste caso via parlamentar. Paulo Pedroso, no âmbito do processo Casa Pia, e Eduardo Cabrita, por causa do acidente que vitimou um trabalhador na A6, só puderam ser chamados à justiça após o levantamento dessa imunidade parlamentar.

Segundo a Convenção de Viena (1969), a imunidade diplomática pretendia proteger representantes diplomáticos no estrangeiro de situações de abusos. O problema é que essa leitura leva a que existam abusos maiores: impede que sejam detidos ou acusados de acordo com as leis do país onde se encontram.

Parece-me demasiado evidente que há uma falha clara do sistema na aplicação desta medida de protecção laboral. Qualquer trabalhador – assim como outro tipo de cidadão, como os turistas – que estejam no estrangeiro sabem que têm a obrigação de respeitar a lei do local onde se encontram e que, caso não o façam, devem incumprir na responsabilização dos seus actos.

Com o uso e abuso de uma medida teoricamente criada para proteger cidadãos no estrangeiro, vive-se actualmente um cenário em que existe via verde para o crime para diplomatas e os seus familiares directos, estando acima da lei e, ofensivamente, dos cidadãos do próprio país em que se encontram. É urgente rever esta condição.

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